MP-RJ investiga nomeação de atirador esportivo para a direção do Arquivo Nacional
A escolha aumenta as desconfianças sobre o destino de documentos públicos, especialmente os que tratam do período da ditadura militar

Foto: Divulgação/Arquivo Nacional do Brasil
O Ministério Público Federal do Rio de Janeiro vai investigar uma nomeação, realizada no dia 18, do funcionário aposentado do Banco do Brasil, Ricardo Borda D'Água de Almeida Braga, como diretor-geral do Arquivo Nacional.
Ex-chefe de segurança do BB, ex-subsecretário de Segurança Pública do Distrito Federal, atirador esportivo e agraciado como “colaborador emérito” do Exército, Borda D'Água é visto como um estranho no setor. A sua nomeação aumenta as desconfianças sobre o destino de documentos públicos, especialmente os que tratam do período da ditadira militar.
O MP-RJ trabalha com duas hipóteses que causam insegurança sobre a nomeação de Borda D'Água: a primeira é a paralisação do projeto Memórias Reveladas, com base nos arquivos da ditadura; e a segunda é a edição de um decreto e de uma portaria que mudaram o sistema de gestão de documentos e arquivos. As repartições federais foram desobrigadas a pedir permissão ao Arquivo antes de eliminar um documento. No caso do Memórias Reveladas, autores premiados em 2017 ainda não tiveram os projetos editados em livro, como previa o regulamento.
Arquivistas, historiadores e pesquisadores lançaram o abaixo-assinado “Queima de arquivo, não” para pedir a destituição de Borda D'Água e a nomeação de alguém com qualificação técnica e experiência, conforme o decreto que fixa os critérios e o perfil profissional para carga de direção . “Não é razoável que o Arquivo Nacional seja dirigido por um indivíduo em cujo currículo não há qualquer menção de atuação com gestão de documentos”, diz o texto.
O ex-diretor-geral do Arquivo Nacional Jaime Antunes disse que Borda D'Água pode agravar a crise, que vem da gestão da antecessora Neide de Sordi, sobre o destino de documentos federais. Antunes considera inconstitucional o decreto assinado pelo presidente Bolsonaro em 12 de agosto de 2019 sobre a eliminação desses documentos. "Como o Arquivo pode dizer se o eliminado é exatamente aquilo que está previsto por lei? Quem elimina agora, com esse decreto, é o órgão que produziu o documento. E uma vez eliminado, não tem volta", ressaltou o Antunes.
Outro ponto de tensão é o destino das Memórias Reveladas, que se baseia na divulgação de documentos secretos, especialmente dos extintos Serviço Nacional de Inteligência (SNI), Comissão Geral de Investigações (CGI) e Conselho de Segurança Nacional (CSN). A organização e digitalização do acervo foi responsável por um avanço significativo das pesquisas históricas sobre o período da ditadura militar.
Até hoje, os três autores premiados em 2017, Pedro Ivo Teixeirense, Lucas Pedretti e Marco Pestana, não apresentaram os resultados das suas pesquisas. Teixeirense disse que, embora tenha feito todas as revisões dentro dos prazos acrescentados pelo Arquivo, o prazo limite para a publicação foi passado sem que a instituição tenha feito qualquer previsão sobre o material impresso. O único aceno, provocado por um pedido via Lei de Acesso, foi propor uma edição digital.
"Respondemos que há interesse na edição digital, claro, mas queremos que as regras da premiação sejam cumpridas. Desconfiamos de uma pressão do governo para desmontar as políticas públicas sobre o direito à memória da ditadura" lamenta Texeirense.
Lucas Pedretti sustenta que o não cumprimento do compromisso está inscrito numa situação mais ampla, relacionada à rever a memória sobre o regime de 64. "O governo, que se abstém de cumprir internacionalmente a respeito do tema, está usando a institucionalidade para promover uma memória apológica da tortura, da ditadura e do golpe de estado", afirmou Pedretti.
O Arquivo Nacional não se manifestou sobre a nomeação de Borda D'Água. Sobre a premiação do Memórias Reveladas, o Arquivo já havia confirmado que foi sugerido o lançamento das obras dos três autores premiados em formato digital, mas eles se recusaram. A instituição informou que há uma licitação para contratar empresa especializada em impressão gráfica para publicação dessas e outras obras.