Mudanças climáticas diminuem produções da agroecologia em 56,3%, aponta estudo
Ainda segundo o estudo, 48,1% do total da perda de alimentos foi causado pelas mudanças climáticas

Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil
JORGE ABREU* - ABAETETUBA, PA - O agricultor Domingo da Silva, 59, sente na pele os efeitos das mudanças climáticas. O calor excessivo em Abaetetuba (PA) não prejudica apenas a sua saúde, como também as suas produções de açaí, cupuaçu, cacau, entre outros frutos da amazônia. As secas, cada vez mais frequentes, afetam o solo e geram crise hídrica na região, ele observa.
"A seca está mudando as coisas por aqui. Cada ano fica pior", diz. "Eu plantei açaí, vai fazer três anos. Se tivesse mais chuvas, em dois anos já dava fruto. Mas assim como está, só vai ter daqui a uns quatro anos".
Silva e sua família atuam também com plantação de hortaliças e manejo de abelhas produtoras de mel, que sofrem com as altas temperaturas.
A situação do agricultor reflete os resultados de uma pesquisa inédita divulgado nesta quinta-feira (25) por um grupo de trabalho coordenado pela ANA (Articulação Nacional de Agroecologia). Segundo o estudo, as mudanças climáticas diminuíram em 56,3% as produções da agroecologia e causaram 48,1% de perda de alimentos. Silva não participou do levantamento.
O mapeamento Agroecologia, Território e Justiça Climática foi feito de abril a junho deste ano. Ao todo, 503 experiências de 28 diferentes grupos foram ouvidas. As iniciativas são de 307 municípios e envolvem mais de 20 mil pessoas, entre agricultores familiares, povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, camponeses, educadores e estudantes.
Para 66%, os impactos das mudanças no clima se deram nos últimos dez anos. Entre os relatos, 73,4% das experiências perceberam o aumento da temperatura, e 70,8% identificaram a alteração do calendário das chuvas.
Entre as principais consequências, segundo o estudo, está o desaparecimento de espécies e variedades vegetais nativos (36,2%), animais nativos (30,4%) e variedades de vegetais agrícolas (19,7%). O levantamento aponta ainda a percepção do aumento de doenças nas criações animais em 12,3%.
Em relação à saúde humana, 34,4% perceberam o aumento de doenças devido ao clima, como problemas cardíacos, diminuição da imunidade e adoecimento mental. A piora da qualidade do ar foi notada por 42,9%, sobretudo, em grandes centros urbanos e áreas de mineração.
Conforme o mapeamento, 326 iniciativas (64,8%) identificaram quais sujeitos intensificam as mudanças climáticas nos territórios, sendo o agronegócio citado por 221 (43,9%).
Helena Lopes, pesquisadora da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) e uma das coordenadoras do estudo, destaca que ideia foi identificar soluções sobre as mudanças climáticas baseadas nas atividades da agroecologia, diferente das propostas de grandes sistemas de corporações do ramo alimentar e do sistema energético.
"A nossa intenção principal foi identificar uma compreensão do que significam as mudanças climáticas a partir da agroecologia. Então, mapeamos experiências que enfrentam a crise, seja através da adaptação, da mitigação ou da promoção da justiça climática", conta.
"Para mais de 50% há uma diminuição da disponibilidade hídrica. Quando a gente pensa em emergência hídrica, muitas vezes o nosso imaginário nos conduz a catinga, ao semiárido. Mas esse problema está também no pampa, no Sul, em comunidades quilombolas. Por isso a importância da implementação de tecnologias sociais de captação de águas da chuva", acrescenta.
De acordo com Lopes, a Amazônia e a região Nordeste registraram mais casos de altas temperaturas como o principal problema. Ela destaca que o mapeamento pode servir de base para a criação de políticas públicas para ajudar os produtores mais vulneráveis na crise climática.
"Dessas 503 experiências da pesquisa, só 187 acessam políticas públicas. Então o estudo traz para a gente a necessidade de apoio do Estado de forma qualificada para essas áreas de atuação que já estão desenvolvendo soluções para um problema global", conclui.
*O repórter viajou a convite da AFD (Agência Francesa de Desenvolvimento)