Mulher faz bariátrica sem saber que estava grávida e relata sequelas graves da filha após nascimento
Bebê nasceu com 540 gramas e hoje vive com limitações cognitivas, motoras e respiratórias

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A analista de RH Patricia Anny Baptista, de Curitiba (PR), estava com obesidade grau II e comorbidades associadas ao peso: gordura no fígado, pré-diabetes, hipertensão e dores nas pernas e joelhos. Mas o que mais a incomodava era a dificuldade para engravidar. Ao procurar um ginecologista, ouviu que uma cirurgia bariátrica poderia ajudá-la a perder peso e, assim, realizar o sonho de ser mãe novamente. As informações são da revista Marie Claire.
Depois de passar por outros especialistas que confirmaram a indicação clínica, ela entrou na fila do Sistema Público de Saúde (SUS) e foi operada em 25 de maio de 2017, quase dois meses após realizar os exames pré-operatórios.
Logo após a cirurgia, Baptista começou a vomitar tudo o que comia ou bebia. Um mês depois do procedimento, desmaiou de fraqueza e foi levada ao hospital. Após uma bateria de exames, os médicos descobriram que ela estava grávida de três meses. “Na hora eu surtei”, conta ela, hoje aos 45 anos.
Desnutrição na gravidez
Durante toda a gestação, ela não conseguiu se alimentar. Vomitava até água e passou a maior parte do tempo ingerindo quantidades mínimas de comida e líquido. “Os médicos só falavam pra eu tentar comer, pra fazer uma forcinha. Mas eu não conseguia e perdi 30 quilos”, diz. Nenhuma estratégia alternativa foi oferecida, como a nutrição parenteral, o que, segundo ela soube mais tarde, poderia ter ajudado a proteger o bebê.
Ao longo da gravidez, a analista de RH ouviu dos médicos que o feto não era viável, mas tinha fé que sua filha iria sobreviver. Camila veio ao mundo com 28 semanas de gestação, 540 gramas e 28 centímetros. “Ela nasceu sem vida, mas quando a enfermeira a pegou no colo, ela voltou sem ser reanimada”, conta a mãe.
A bebê foi entubada e levada direto para a UTI, onde passou os seis primeiros meses. Camila teve novas paradas cardíacas, sepse, enterocolite necrosante e hemorragia cerebral e ocular. Recebeu alta com 2,5 kg, e precisou continuar o tratamento em casa, com oxigênio e uma rotina intensa de terapias.
Beta hCG antes da cirurgia
O cirurgião bariátrico Tiago Szegö, diretor médico da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM), afirma que não há uma norma obrigando os médicos a repetir o teste de gravidez antes da cirurgia. “A maioria dos cirurgiões que conheço pede o Beta hCG nos exames pré-operatórios. Mas no SUS, em que o tempo de espera pode ser longo, talvez não haja logística para repetir o exame próximo da cirurgia”, opinar.
Segundo ele, é comum que o intervalo entre os testes e o procedimento seja de meses, ou até anos. “Se se passam mais de seis meses, a gente repete os exames”, afirma ele. Na espera até a cirurgia, ele aponta, é essencial que a paciente se previna contra a gravidez. Para o cirurgião, é comum que haja falhas na comunicação entre o profissional de saúde e o paciente. “Pesquisas mostram que mesmo pacientes instruídos captam só 40% do que o médico fala”, diz.
Szegö reforça que a orientação é que a mulher não engravide nos primeiros doze a dezoito meses após a cirurgia. “É um período de emagrecimento rápido e, muitas vezes, de desnutrição. A menstruação também fica desregulada, então a recomendação é evitar relações desprotegidas”, afirma.
Sequelas na criança
Camila ficou com sequelas motoras, cognitivas e respiratórias, além de uma condição autoimune na tireoide que compromete o crescimento. Aos 8 anos, pesa apenas 14 quilos, é acompanhada por médicos de oito especialistas diferentes e faz cinco tipos de terapias.
Baptista também ficou com sequelas emocionais. No primeiro ano de vida da filha, foi diagnosticada com transtorno de estresse pós-traumático. Até hoje, faz terapia e toma remédio de uso controlado.
A família decidiu processar o hospital por negligência, alegando que o exame de gravidez não foi repetido antes da cirurgia. O processo durou cinco anos, mas deu ganho de causa ao hospital.
"Eu não queria dinheiro pra mim. Queria pagar uma fono ou uma fisioterapeuta particular pra minha filha. Hoje faço o que posso. Pago plano de saúde e estou na fila pra uma consulta com o neurologista pra ela, porque não consigo pagar R$ 800 em uma particular", disse Patricia Anny.
Apesar de tudo, ela considera que a cirurgia bariátrica em si foi bem-sucedida. Depois que Camila nasceu, a mãe conseguiu aos poucos voltar a se alimentar, e não teve reganho de peso. A curitibana, no entanto, guarda mágoa do que poderia ter sido evitado. “Se tivessem pedido um beta hCG um dia antes da cirurgia, nada disso teria acontecido. Foi falta de zelo”, acredita.