Negros presos com drogas têm penas maiores e menos benefícios do que brancos, aponta estudo
Do total de processados sob a Lei de Drogas, 69% são negros

Foto: Arquivo/Agência Brasil
LUCAS LACERDA
Um estudo divulgado nesta segunda-feira (24) mostrou que o perfil racial dos processados por crimes relacionados a drogas na Justiça do Rio de Janeiro fica mais negro conforme avança o processo.
Do total de processados sob a Lei de Drogas, 69% são negros. Mas, conforme o caso avança, brancos recebem mais benefícios e a proporção fica ainda mais desigual: negros são 75% dos denunciados e 77% dos condenados.
A pesquisa "Engrenagem Seletiva - O tratamento penal dos crimes de drogas no Rio de Janeiro", do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), divulgada nesta segunda-feira (24), analisou ações no Rio de Janeiro, onde negros são 54% da população total.
Os pretos e pardos constituem 56% dos que recebem oferta de acordo do Ministério Público para encerrar o processo. Além disso, recebem, na média, 300 dias a mais de pena do que brancos.
O estudo é mais um indicador de uma tendência apontada por outros levantamentos sobre o tema, afirmam os autores. Para eles, o sistema de justiça funciona contra um perfil social e racial específico da população.
A análise foi feita com base em todos os processos do Tribunal de Justiça do RJ julgados em primeira instância em 2022 e 2023 que tiveram como objeto principal os crimes de tráfico e uso indevido de drogas. Os dados foram pedidos por meio da Lei de Acesso à Informação.
Ao todo, foram 3.392 casos 911 deles de porte para uso pessoal, 2.169 de tráfico e 1.212 de associação para o tráfico. A análise para os casos de porte para uso foi feita no total de processos. Nos demais casos, os autores usaram amostras.
A análise por tipo de crime mostra proporção maior de negros em todas as classificações observadas, sendo que a maior sobrerrepresentação está na associação para o tráfico (87,5%). O perfil é, como também já mostraram outros estudos, masculino e jovem.
A média de dias de pena para brancos é de 810 dias, enquanto negros receberam, no intervalo observado, uma média de 1.172 dias.
Abordagens por comportamento suspeito feitas em via pública também aparecem como os fatos mais frequentes que iniciam os processos, sendo 41,9% do total de casos estudados, embora uma parcela parecida, de 41,2%, não tenha motivo descrito.
O estudo estima que negros e pobres têm menos chance de receber a oferta de transação penal do Ministério Público. O acordo é oferecido a quem é enquadrado como usuário de drogas e pode extinguir o processo caso cumpra medidas alternativas.
"Se você for branco ou tiver uma condição socioeconômica mais elevada, terá muito mais chance de receber uma transação. É mais grave: vimos que comumente pessoas brancas nem sequer chegam à transação, porque o processo é extinto antes", afirma a socióloga Julita Lemgruber, diretora do CESeC.
"Se você mora na favela e está com drogas, você tem que ser traficante", diz ela sobre a interpretação dos juízes das informações no processo. "E pode ser com as mesmas quantidades que na zona sul do Rio de Janeiro ou nos Jardins, em São Paulo, iriam livrá-lo", afirma.
"Agora que analisamos os processos de cabo a rabo, sabemos que o que faz essa engrenagem rodar é o racismo estrutural na sociedade."
Procurado, o Ministério Público do RJ disse que não comenta pesquisas ou análises externas, apenas casos concretos, segundo o conteúdo dos autos. O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro não respondeu até a publicação deste texto.
A professora também critica os efeitos da Súmula 70, uma regra que permite a condenação apenas com depoimento de policiais. O documento foi alterado no fim do ano passado para exigir coerência com outras provas. Os processos incluídos no estudo são anteriores à revisão.
"Isso não existe em nenhum outro lugar do Brasil, é uma criação do TJRJ. Se há o depoimento policial incriminando alguém, isso é suficiente como prova. Não há contraditório."
Nos processos em que há menção à regra, 89,1% dos réus são condenados, e nos que não têm, a parcela cai para 28,3%. Também há mais condenações quando há menção a favela e domínio de facções.
Para Julita, a forma de encarar o problema de drogas no país continua igual desde os tempos em que ela foi gestora do sistema penitenciário no estado, nos anos 1990.
"É preciso encarar o fato de que você não vai resolver o problema de varejo das drogas na favela de forma violenta. A polícia matou 117, hoje há outros 117 para ocupar os lugares", afirmou, em referência à operação Contenção, a mais letal da história, que deixou, além dos civis, cinco agentes de segurança mortos.
O estudo também levantou dados em processos no período analisado, de 2022 e 2023, nos quais é citada a apreensão apenas de maconha. Considerando até 40 gramas como critério que indica uso, segundo decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), 15% foram imputados por tráfico, 16% denunciados e 11% condenados. Nos casos com mais de 40 g, 74% foram imputados, 83% denunciados e 68% condenados.


