Salvador

Olodum: 45 anos de resistência e legado cultural em Salvador

Da luta contra o preconceito ao impacto global do samba-reggae, confira a trajetória do bloco que se tornou ícone da cultura afro-brasileira

Por Laiz Menezes
Ás

Olodum: 45 anos de resistência e legado cultural em Salvador

Foto: Fred Pontes/Olodum

Em 1987, com a música “Faraó Divindade do Egito”, o Olodum manifestava, por meio da música, a resistência e luta do povo negro em Salvador. E é assim desde o lançamento do bloco, em 1979.  

São quase 45 anos de história, com uma forte presença em Salvador e fora da Bahia. O Olodum se consolidou como um bloco afro, com a celebração da herança afro-brasileira, luta pela igualdade racial e preservação das tradições ancestrais africanas. Tombado pela Organização das Nações Unidas (ONU) como Patrimônio Cultural Imaterial do Estado da Bahia, o grupo é uma das mais importantes expressões da música mundial, como define a Fundação Cultural Palmares (FCP).

Com o passar dos anos, o bloco se tornou uma figura popular na capital baiana. É difícil andar pelas ruas do bairro do Pelourinho, por exemplo, e não ver o nome Olodum estampado em bandeiras, casas e, principalmente, camisas, que são comumente compradas por pessoas que visitam Salvador. 

Em entrevista ao Farol da Bahia, o presidente do Olodum, Jorginho Rodrigues, destacou que três fatos seguem como os mais marcantes desde a criação do bloco. “A gravação da música Faraó, a criação do samba reggae por Neguinho do Samba e a criação do projeto Rufar dos Tambores em 1983, que deu origem à Escola Olodum”, disse o representante do grupo musical. 

“Esses três fatos representam um pouco de tudo o que o Olodum é e de tudo o que o Olodum será daqui para frente. A música, a cultura e a ação social. Nós temos esses três pilares, como o alicerce do que é o Olodum, e a nossa missão de vida é lutar contra o preconceito, a discriminação racial e todas as formas de violência”, complementou Jorginho. 

O museólogo, pesquisador e idealizador da Odu Imersão Cultural, Eldon Neves, destaca que o Olodum transcendeu suas raízes como um bloco e uma forte organização do movimento negro, tornando-se também um ícone popular. 

“Sua música vibrante, envolvente e consciente contribuiu para sua popularidade, alcançando diversos públicos. O Olodum não apenas preserva tradições culturais, mas também incorpora elementos contemporâneos, o que o torna uma expressão cultural amplamente apreciada e reconhecida, indo além do âmbito específico dos blocos afro para se estabelecer como uma influência cultural mais ampla”, explica o especialista. 

Algumas ações contribuem fortemente para que o bloco seja visto cada vez mais como uma figura pop na capital baiana, mas, claro, sem esquecer todo trabalho de luta, representatividade e resistência. Uma das parcerias mais marcantes foi com Michael Jackson, quando o cantor americano fez uma visita em Salvador e gravou um clipe com os integrantes da banda, no Pelourinho. A música “They Don’t Care About Us”, lançada em 1996, ainda é o vídeo mais visto no canal do Youtube do astro do pop, com mais de um bilhão de visualizações.

Escola Olodum 

Nascido como um grupo carnavalesco cultural, o Olodum expandiu com um impacto para além da música. Hoje, o bloco é fundamental para a identidade de Salvador, promovendo a preservação da cultura afro-brasileira e sendo uma voz ativa na luta contra a discriminação racial. Suas performances musicais e ativismo social continuam a influenciar positivamente a capital baiana, destacando a riqueza da diversidade cultural local.

É isso que explica o museólogo Eldon Alves. Para ele, o bloco acumula diversos feitos notáveis para a preservação da cultura afro-brasileira ao longo da história, e uma delas é a Escola Olodum. 


Crédito: Divulgação

O presidente Jorginho Rodrigues destaca que o Olodum segue como o principal projeto do bloco. “Este ano completa 41 anos. A gente tem muito orgulho, e é uma felicidade imensa ter criado esse projeto lá atrás em 1983, para resgatar crianças e jovens do Pelourinho e, hoje, com essa expansão desse projeto que atende crianças, jovens e adolescentes de toda a cidade de Salvador, é algo que nos deixa muito orgulhosos”, contou. 

No Carnaval de Salvador deste ano, a Escola Olodum, além dos projetos educacionais, também levará às ruas o Bloco Mirim, na segunda-feira (11), com o tema Revolta dos Búzios, totalmente gratuito. A iniciativa oferece para crianças e adolescentes, não só da comunidade, um momento de lazer durante a folia. 

A atual diretora-geral da Escola Olodum, Linda Rosa Rodrigues, de 29 anos, também foi estudante da instituição. Hoje, é formada em Direito e Comunicação. “Cheguei na Escola Olodum quando tinha 9 anos, foi o meu primeiro contato com a dança afro-brasileira, com a dança afro", contou. 

Linda detalha que os principais objetivos da instituição são transformar e oportunizar um novo modelo de vida, uma nova oportunidade para crianças, jovens e adultos. Ela costuma dizer que a Escola Olodum é um grande agente de política pública. Por meio dela, dá para educar, conscientizar e transformar. 

“A escola é um projeto que é pioneiro em educação anti-racista no país, desde 1983. É o primeiro projeto social do país que une cultura e educação para a transformação. Então, ele já é uma potência, uma importância, por ser o pioneiro, para que outros projetos surjam. Quem passa pela instituição não aprende só música, não aprende só dança, não aprende só a cantar, aprende o letramento racial desde pequeno e aprende a importância da representatividade, a importância de se amar, a importância de se reconhecer, de pertencer”, declarou a diretora-geral da Escola Olodum. 

Legado no samba-reggae 

O Olodum ficou famoso principalmente devido ao samba-reggae, que é um estilo musical criado pelo grupo e popularizado por eles. Embora o Olodum também tenha explorado outros gêneros musicais, como o reggae e o afrobeat, foi o samba-reggae que se tornou sua marca registrada e que os projetou nacional e internacionalmente. 

O ritmo foi criado por um ex-integrante do Olodum, Antônio Luiz Alves de Souza, popularmente conhecido como Neguinho do Samba, que morreu em 2009. O estilo combina elementos do samba tradicional com ritmos e influências da cultura afro-baiana, como o reggae jamaicano. 


Crédito: Inacio-Teixeira | Secom

Filho de Neguinho, o musicista Anderson do Samba detalha que o ritmo é um movimento, que surge como um ato de anti-racismo e inclusão social. “O samba-reggae e o Olodum estão super ligados, porque o samba-reggae nasce com o Olodum. Em Salvador, antes do surgimento dos blocos afro, existiam as escolas de samba, os blocos de índio, e meu pai participou de todo esse movimento que antecede os blocos afro”, explicou o especialista. 

Anderson detalha que, vindo de uma família de candomblé, Neguinho do Samba introduziu no samba o vime, que nos terreiros é chamado de aguidavi: “a história do samba-reggae tá no vime, que é uma baqueta. Então, meu pai introduz o vime, que é de fazer cadeira, mesa, na música. Ele foi mestre de bateria do Ilê Aiyê, depois ele chega no Olodum e faz essa transformação, que é esse legado, não só rítmico, mas social, pegar as crianças da comunidade e fazer essa transformação, essa inclusão social”. 

Quando Neguinho era vivo, Anderson ainda participava do bloco e da Escola Olodum. Foi com a instituição, em 1989, que fez a primeira viagem musical. Hoje, atua ainda na música, com o Afro Jazz. 

Carnaval 2024 

Para a folia deste ano, o presidente do Olodum, Jorginho Rodrigues, detalhou o que o bloco tem planejado para a maior festa de rua do mundo: “A grande novidade, sem dúvidas, foi o inédito desfile da sexta-feira de Carnaval, no dia 9 de fevereiro. A tradicional saída do Olodum, este ano, sem cordas, um desfile gratuito para que todos aqueles que amam a música do grupo, que admiram e conhecem a história do nosso Carnaval, possam acompanhar o bloco Olodum no Pelourinho e, depois, do Campo Grande até o Pelourinho, voltando, fazendo do Circuito do Centro uma grande festa. Além da sexta-feira, na terça-feira de Carnaval, no dia 13, nós também sairemos sem cordas, do Campo Grande até o Pelourinho. Então serão dois dias no formato gratuito, sem cordas, e um dia no formato tradicional de bloco, que é o domingo, dia 11, na Barra, no Circuito Dodô”.

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