Os filhos de Dulce
Relatos exclusivos de quem viveu com a Santa

Foto: Gilberto Silva / Farol da Bahia
O privilégio de conviver com Irmã Dulce, agora Santa Dulce dos Pobres, e a maneira como dela se aproximaram, marcou a vida de muitas pessoas. Com certeza ainda mais as de Waldemir Pimenta, 73 anos, e Dorival dos Santos de 83, cuja historia não foi diferente. Ambos foram escolhidos para uma missão pode-se dizer "divina", tornando real uma das mensagens mais pregadas pela freira durante a vida e guardada com muito carinho por um deles em seu acervo pessoal, onde diz-se "Façamos de cada dia da nossa vida um dia santo, servindo a Deus na pessoa do proximo com amor e alegria", afirmava.
O operador de cinema Dorival cruzou a vida da Irmã pela primeira vez com apenas 11 anos. Devido a uma desavença familiar, ele procurou as Obras Sociais, naquela época bem mais acessivel do que nos dias de hoje, e pediu guarida. A santa o apelidou de "Coisa Ruim", pois todas as tarefas dificeis e supostamente pesadas para um garoto na puberdade, eram cumpridas com vigor e energia. Até completar 18 anos, o rapaz estava sempre muito proximo a ela, desempenhando todas as missões que lhe eram dadas e já nesta epoca, ele se recorda dos primeiros sinais de santificação de Dulce, "Teve uma noite que ela chamou uma de suas acompanhantes e perguntou se ela conseguia ouvir ou ver algo que estaria acontecendo em um dos pavilhões de doentes instalados no antigo galinheiro do convento em que viviam. Com a negação da funcionária, Irmã Dulce não aquietou o coração de mãe -apelido muito utilizado pelos pacientes para referir-se a ela, segundo o idoso- levantando e indo conferir com seus próprios olhos. Para a surpresa de todo mundo, inclusive a minha, uma das pacientes estava realmente passando mau, com o aparelho do soro fora do lugar e a enfermeira dormindo. Vocês acreditam? Se Dulce nao levanta e segue seu sentido de santa, a mulher podia ter morrido! Sem falar que todos que ela visitava diariamente dentro daquele Centro, tinham uma melhora de saúde imediata, só pela alegria e o amor que ela trazia", relata emocionado.
Após a maior idade, o "Coisa Ruim" passou a ser habilitado como o operador do cinema mas continuava fazendo a higienização dos aposentos dela, segundo ele, com muito carinho. Por muitas vezes durante a entrevista ao site Farol da Bahia o idoso externa toda a sua gratidão pela formação que ela proporcionou a ele e enaltece a força daquela mulher que mal dormia e se alimentava para viver totalmente ao pé da letra a missão de caridade, "Ficava besta, porque comia pouco, gostava muito de arroz e de um guaraná e nem dormia, estava sempre alerta para qualquer chamado". Aposentando-se no Cine Roma localizado na região da Cidade Baixa, onde hoje funciona o Santuario de Dulce dos Pobres na Bahia, já lotou muitas sessões, principalmente as quartas quando era "rodado" um mini-documentario sobre os trabalhos que a freira realizava nas ruas pedindo esmola e nas Obras Sociais cuidando dos doentes.
Quando indagado sobre a importância da Santa Dulce na sua vida ele afirma com voz tremula, "Eu gostaria que ela estivesse viva, aquilo era o amor em forma humana andando pelas ruas dessa cidade. Uma vez pedindo esmola pelas ruas com seu cesto de palha - chamado na epoca de Bocapio - ela teve uma das mãos cuspida por um homem. Sabe o que ela fez? Igual a Jesus Cristo! Deu a outra, justificando o que aquele ato seria para ela mas que o homem, mesmo tendo cuspido, poderia deixar ainda assim algo para seus filhos, levantando a outra mão. Imagine? Que ser humano hoje em dia teria uma atitude dessas? Isso é o amor, o amor de Deus na terra em forma de freira".
A Guarda do Anjo
Já o policial Waldemir viveu uma experiência um pouco diferente. Lotado para trabalhar auxiliando o andamento das filas e assegurando a tranquilidade das pessoas que permaneciam no local de tratamento para doentes, já pegou a missão de Santa Dulce pela metade. Convivendo com a freira por pouco mais de 10 anos, ele também sentia a vontade em trazer paz e alento a população como um todo reinar por onde ela passava.
Com atenção e riqueza de detalhes, o policial afirma que ela gostava muito do seu trabalho e, como parte daquilo, o dia de sua morte no ano de 1992 foi um dos dias mais tristes da sua vida, "Ela era trabalho, não tinha dia nem hora. Ficava para cima e para baixo cuidando do povo. Eu a acompanhava sempre e permanecia organizando as coisas em frente ao Hospital. Engraçado é que todas as vezes que a Companhia queria me transferir, ela não deixava. Me queria sempre lá, sempre perto. Sendo a sua guarda, a guarda do anjo, né?", comenta.
Com muitos anos de farda, o policial militar diz que se lembra de diversas visitas ilustres como Xuxa, Sarney e outras celebridades que traziam dinheiro, doações diversas e muita alegria para o coração da pequena Dulce.
Segundo ele, ela era um poço de doçura e palavras de carinho, mas se presenciasse ou soubesse de algo que aconteceu dentro de suas obras envolvendo falta de compromisso ou negligência, ela se transformava, "Sabe quando você via ela retada? Se algum doente ou alguém que fosse pedir ajuda não fosse atendido. Era bronca na certa se chegasse aos ouvidos dela que algum de nós que trabalhava lá teria cometido ou errado dessa maneira, ela ficava muito chateada, ninguem podia bulir com os filhos dela", relata sorrindo.
Apesar da seriedade na fala do homem que serve a anos a segurança pública do Estado e vem de uma familia tradicional de policiais, Waldemir amolece ao falar sobre Dulce e tem seu amor estampado em cada comodo da sua casa onde sempre se encontram imagens ou objetos que fazem referencia a Santa Dulce, "Ela mereceu ter se tornado Santa, no dia em que morreu, choravam os moradores de rua e os grandes provedores financeiros do seu trabalho. Foi uma tristeza geral, para mim que trabalhava com ela e para ela, foi demais! Ela agora será imortalizada e sua missão vai ser conhecida em todas as gerações que vierem", comenta ele mostrando com carinho a farda que usava quando prestava serviço para OSID naquela epoca.
Assim como eles, diversas outras pessoas conviveram e participaram dessa missão de amor e paz, cooperando com a missão da Santa. E assim como canta a letra da música e oração escrita para as festividades baianas, a pequena e tão gigante mulher deixou em terra uma lição chamada amor que graças a fé e o testemunho de pessoas como essas, pode ser relata e reverberada aos quatro cantos do mundo e para toda eternidade.
Viva Santa Dulce dos Pobres e que o amor pelo próximo seja o mais importante na vida de todos nós.