Soteropolitanos contam por que passaram a fazer menos sexo

Pornografia e excesso de trabalho estão entre os motivos

[Soteropolitanos contam por que passaram a fazer menos sexo]

FOTO: Ilustração | Sabrina Gevaerd

Na teoria, nunca houve tanta facilidade para transar como nos últimos anos, segundo análise de especialistas. As pessoas são livres para assumir a própria sexualidade, para falar em sexo e experimentar diversas modalidades sexuais. Há ainda quem se envolve em acordos como relacionamento aberto, poliamorosos e amizade colorida. E o maior avanço: com os aplicativos de paquera e redes sociais qualquer um pode pegar o celular e acessar um cardápio de gente que aceite fazer sexo casual. Mas a psicóloga Mariane Berlim, especialista em saúde sexual, explica que as facilidades do século 21 não significa necessariamente que todo mundo está transando em grande quantidade. Na verdade, as pesquisas têm revelado o oposto: o ser humano passou a fazer menos sexo do que as gerações anteriores.

Um estudo dos Centros para o Controle e Prevenção de Doenças constatou que adolescentes e adultos jovens do mundo inteiro têm deixado o sexo em segundo plano. Entre 1991 e 2017, a porcentagem de alunos do ensino médio que já havia tido relações sexuais caiu de 54% para 40%. No espaço de uma geração, o sexo passou de algo que a maioria dos estudantes secundaristas já fez, para algo que a maioria não experimentou. Na mesma direção, a Universidade de Cambridge concluiu que, em 1990, os casais faziam sexo, em média, cinco vezes por mês. Em 2000, as estatísticas mostraram que o número passou a quatro vezes por mês e, em 2010, caiu para três vezes ao mês. “Se continuar nesse ritmo, na próxima década os casais correm o risco de não fazer mais sexo, de entrar em extinção”, explica Mariane Berlim.

No Brasil, pesquisa feita pela Universidade de São Paulo (USP) mostra que, em contrapartida, o número de entrevistados frustrados com a própria vida sexual aumentou: em 2001, 39% das mulheres e 51% dos homens gostariam de estar fazendo mais sexo; já em 2018, subiu para 51% e 64%, respectivamente. Transar pouco não quer dizer que não haja desejo sexual, explica Berlim. Não esquentar o edredom com ajuda do parceiro, para ela, perpassa por problemas emocionais, excesso de trabalho e estudos, e rotina contemporânea, como excesso de tempo dedicado a internet. “Vivemos tempos de sexualidade líquida, conceito que o sociólogo polonês Zygmunt Bauman popularizou, aplicando-o a todas as dimensões do ser humano. Relações em que a fugacidade e a falta de cumplicidade são as grandes diretrizes”, diz. 

Sem tempo

Se antes os homens lotavam os consultórios ou reclamavam para os amigos numa mesa de bar sobre a falta de desejo da namorada ou da esposa, o terapeuta de casais Pedro Leopoldo afirma que o cenário hoje é completamente diferente. “Atendo diversos casais que enfrentam problemas em fazer sexo e posso dizer que, na maioria das vezes, quem não quer transar é o homem”, conta. “Eles justificam a fuga por conta do estresse, sonolência e até falta de dinheiro”, pontua. 

Salvador, capital do Carnaval onde o calor, a praia, o axé e a pimenta fervem os corpos, é a mesma cidade onde o estudante de medicina Rodrigo*, 24, culpa a rotina atarefada como motivo para a baixa frequência sexual. Pela manhã, ele precisa dividir as horas entre academia, aula na universidade e trabalho no laboratório. À tarde, a rotina segue por reuniões em grupos de pesquisa e estágio. “Quando vou ver, estou exausto. Chego em casa e tenho preguiça de levantar do sofá para ir à cama. Imagina aí ter que fazer qualquer outro esforço”, brinca.  

Mas o terapeuta  faz um alerta: a fronteira entre o mundo público e a vida privada está ficando mais fraca. "Você chega em casa e continua trabalhando ou comprando, fazendo qualquer coisa, exceto conversar e, consequentemente, transar. Você não consegue sentir proximidade se está constantemente ao telefone, digitando mensagens e respondendo aos e-mails”, explica.

Sexo por tela

O excesso de pornografia e da erotização nos meios midiáticos também resultam em uma habituação do estímulo sexual. “As pessoas passaram a ver tanto, a normatizar tanto, que acabam ficando insensíveis aos estímulo”, explica Leopoldo.

Para a nutricionista Patricia*, 31, o contato íntimo da masturbação através da pornografia dá mais prazer do que o sexo com o namorado. Em uma relação que já dura quatro anos, a nutricionista diz que, em média, transa duas vezes por mês. Em compensação, chega a se masturbar três vez por semana.“Trocamos nudes por WhatsApp e nos exibimos em videoconferência”, revela. A falta de desejo do contato presencial, para ela, não é um problema. Pelo contrário, ajuda. “Vejo que, assim como tudo muda de estágio, o sexo também evoluiu. Uma pena que as pessoas ainda achem essa modalidade um absurdo”, diz.

Hoje não

O engenheiro Danilo*, 40, é adepto dos aplicativos de relacionamento. Lá, ele avisa, é direto ao assunto: não quer sexo. O motivo, segundo ele, é o caminho que as relações têm sido conduzidas, o que resulta numa eterna solidão. “Da última vez, marquei com um rapaz num bar do Rio Vermelho. Antes de chegar, mandei uma mensagem perguntando se era isso mesmo que ele queria, se ele topava que a nossa conversa não tivesse segundas intenções”, lembra. “Não transo há um ano. As relações têm ido por um caminho que não me agradam. Volto quando encontrar um parceiro que pense da mesma forma que eu”.

Para Mariane Berlim, especialista em saúde sexual, talvez o sexo esteja se estabelecendo e o ser humano não faz tanto alarde sobre isso. “Depois da revolução sexual, criou-se um “dever”- você precisava fazer sexo. Agora, não é assim”, analisa. O que se deve ter em mente, de acordo com ela, é que sexo faz bem para a saúde, melhora o sistema imunológico, diminui a frequência cardíaca e a pressão sanguínea, além de deixar as pessoas mais felizes e reduzir os níveis de estresse, trazer benefícios pra a função cognitiva e aumentar a expectativa de vida. “As estatísticas, no fundo, podem esconder problemas no relacionamento, depressão e saúde física deficiente”, pontua. Por causa disso, ela recomenda que médicos comecem a falar mais sobre sexo e cientistas passem a estudar mais sobre ele.

 

*Os nomes foram trocados a pedido dos entrevistados para manter a privacidade.


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