Saneamento Básico e a ineficiência do Estado

Confira o artigo do Professor Joselito Alves

[Saneamento Básico e a ineficiência do Estado]

FOTO: Reprodução

Não era e não será Política de Estado. É um novo mercado aberto ao setor privado, aos investidores que veem na SABESP, SANEPAR E COSAPA grandes oportunidades, para eles um grande negócio. Por que exatamente estas que são as companhias com melhores níveis de eficiência, com atendimento mais próximo da universalização, as que estão colocadas na vanguarda tecnológica, as sustentáveis financeiramente? Afinal, não dizem que o objetivo da abertura de mercado é a busca de investimentos para universalização? A eficiência na área de implantação da infraestrutura de saneamento básico? A tese é insustentável!

O que se pretende é vender e fazer caixa, acima de tudo. A questão no contexto do saneamento não está no tamanho do Estado, mas, sim na busca por eficiência e, não há provas de que o setor privado seja mais eficiente que o setor público. Segundo economia.uol.com.br (07/03/2019) “Desde 2000, ao menos 884 serviços foram reestatizados no mundo. A conta é do TNI (Transnational Institute), centro de estudos em democracia e sustentabilidade sediado na Holanda. As reestatizações aconteceram com destaque em países centrais do capitalismo, como EUA e Alemanha. Isso ocorreu porque as empresas privadas priorizavam o lucro e os serviços estavam caros e ruins, segundo o TNI. O TNI levantou dados entre 2000 e 2017. Foram registrados casos de serviços públicos essenciais que vão desde fornecimento de água e energia e coleta de lixo até programas habitacionais e funerárias.”

A reportagem ainda enfatiza que a França com 152 reestatizações foi o estopim disseminado pela Europa quando Paris em 2008 não renovou a concessão de água e esgoto da cidade que desde 1985 estavam concedidos para SUEZ e VEOLIA. A defesa de consumidor UFC revelou em estudo (2013) que “consideradas as cidades francesas com mais de 100 mil habitantes, as menores tarifas vinham da gestão PÚBLICA, enquanto as maiores, da gestão PRIVADA”. À época, 152 serviços de saneamento retornaram para a gestão ESTATAL. A razão foi sempre serviços mais caros e piores ou, no máximo, equivalentes.

A realidade é que o Governo quer recursos vendendo o que ainda não foi vendido ou entregue, a preços miseráveis. Cientes de sua incapacidade administrativa em todos os setores, comprometidos com promessas de negócios no contexto do liberalismo do Paulo Guedes e, ineptos para o debate com representantes do mundo financeiro incrustados no Congresso, os governos nesta última década abrem mão desta Política de Estado ante o assédio do setor econômico e o déficit orçamentário brasileiro. Realizar mais com menos recursos – eficiência financeira; universalizar serviços promovendo saúde e qualidade de vida – eficiência econômica; e com preservação ambiental, esse conjunto representando a ecoeficiência, é uma Política de Estado possível para um governo da República do Brasil (não confundir com republicanos nem com democratas!). O liberalismo do Guedes e antecessores é uma armadilha para o Saneamento Básico já desarmada no mundo civilizado desde o ano de 2008.

O cenário e as principais questões:

  • O governo tem investido muito pouco, aproximadamente R$ 90 bilhões nos últimos dez anos. Neste ritmo, a universalização que demanda cerca de R$ 500 bilhões (Governo) só seria alcançada daqui a 50 anos, em 2070. Nesse cenário a questão é recurso, dinheiro e, também, o que os gestores não querem enxergar: a universalização depende de soluções de demandas de ordenamento territorial, habitacional e de mobilidade urbana – na região Norte 15% das populações estão assentadas em áreas inundáveis, no Nordeste algo próximo de 5% e, em ambas, as soluções para áreas rurais não tem informações cadastrais -, nada disso foi avaliado no Plano Nacional de Saneamento, pois, dependentes de Planos Municipais abrangentes e efetivos.
  • A Universalização nestes percentuais onde estão assentadas as populações pobres depende de planejamento multigovernamental e multisetorial, não contemplados. De integração nos três níveis de governo – o setor privado nunca fará isto!!! (Tome-se por base o Luz Para Todos que pretendia a universalização energética, pendente até hoje, por dificuldades semelhantes).
  • Os números de atendimento indicam que, em média 35 milhões de habitantes não tem acesso a água potável e 110 milhões não são atendidos com serviços adequados de esgotamento sanitário – merece reparo a contemplação pelo governo de fossa como unidade adequada de tratamento, sem ter qualquer controle da eficiência delas (se sépticas) nem dos seus lançamentos finais. Então, este cenário é pior: a maioria dessas fossas é rudimentar ou com sumidouros contaminando o entorno por infiltrações no solo e lençol. A gestão governamental federal das informações e gestão (Secretaria Nacional de Saneamento, Agência Nacional de Águas e FUNASA) não é razoável, com subnotificação e ineficiência. Há ainda a investida de representantes do setor privado (Trata Brasil entre outros) em sua crítica em defesa do saneamento, mas, endossante do interesse privado. A questão é qual o custo preciso da universalização? Ninguém sabe ao certo, respondo.
  •  Em 2016 o BNDES lançou o Programa de Desestatização do Saneamento Básico abrangente aos 26 Estados, cuja partida se deu em 2017 com a Licitação internacional visando à contratação de Estudos de Modelos de Participação do setor privado na prestação de serviços de saneamento, inclusive ampliação, em substituição a participação das companhias estaduais, e Estudo Tarifário, dirigidos a Consórcios de Empresas e Investidores. As especificações relativas ao Cronograma Físico de Execução chamaram a atenção: a) Prazo de 45 dias corridos para “DIAGNÓSTICOS das estruturas existentes de Abastecimento de água e esgotamento sanitário de todos os 170 (cento e setenta) municípios de um estado como Pernambuco; b) Prazo de 45 dias corridos para apresentação de Relatórios sobre os Planos Municipais de Saneamento de todos os 170 municípios; e c) Estudo Tarifário...” A questão aqui é elementar: é, humanamente e tecnicamente, impossível executar tais tarefas em nível CONFIÁVEL, nestes prazos; e irrazoável que com base nas informações destes estudos se faça qualquer estudo tarifário. É desta forma que o Governo Federal enxerga a solução, a desestatização. Com descaso.
  • Vinte e três Companhias estaduais são deficitárias e insustentáveis financeiramente; muitas sempre utilizadas como capital político e cabide de empregos com Administradores desqualificados; centros de negociatas e corrupção. Porém, detêm a melhor expertise técnica e comercial historicamente reconhecida. Falta-lhes modelagem de gestão adequada e, Auditoria interna e externa efetivas e competentes (jurídica e institucionalmente formalizadas). A Administração Pública no Brasil tem tal marca. No Governo Federal, a FUNASA é prova cabal.
  • Companhias como SABESP, SANEPAR, COPASA apresentam bons resultados em atendimento e sustentabilidade financeira ou bem próxima desta e, portanto, deveriam ser espelhos para as demais. Universalizar métodos, modelos tecnológicos e de gestão; disseminar suas tecnologias com abertura total. De modo que a questão é: o que estas três Companhias têm e as demais não? Através destas, direta ou indiretamente, não se obteria: a) custos básicos de Implantação por habitante? b) custos de operação, manutenção e gerenciamento de serviços e sistemas? c) modelos de gestão eficientes? Enfim, forneceriam a modelagem para exportação às demais Companhias?
  • Uma questão fundamental: a competência pela gestão de serviço local e essencial é ou não dos Municípios? Privatização e concessão não dependeriam da anuência municipal? De revisão das concessões às Companhias estaduais? O novo marco regulatório será objeto de questionamento no STF certamente.
  •  Outra questão fundamental: A modelagem e a tarifa final na privatização ou concessão terão que ser inferiores às atuais diante do objetivo da desestatização – Eficiência. Ou seja, realizar mais com os mesmos recursos. Há que se vigiar estudos tarifários e a efetividade da universalização com controle social. A sociedade não discutiu o novo marco regulatório!

Historicamente, os governos brasileiros insistem em desconhecer as experiências do velho mundo, de quem tem 1500 anos a mais de existência e, insiste em modelos fracassados mesmo tendo exemplos de relativo sucesso em, pelo menos três Estados. Se a demanda é por recursos, há que se buscar alternativas, porém, sem abrir mão da rede de proteção social e sem negociar uma Política de Estado. A entrega do saneamento básico, seja por privatização ou concessão, não trouxe benefício para a população mundo afora. Fracassou até a retomada pelo setor público. Remodelar as estruturas gestoras e operacionais é tarefa do Estado Eficiente. De Governos e governantes probos, aptos, capazes. O resto, isto que se discute agora no Legislativo e Executivo é só a aposta num novo negócio, afinal, qualquer que seja a forma de investimento financeiro a conta será paga por cada um de nós, e, doerá mais nas costas dos pobres, dos excluídos.

A reforma da gestão do Saneamento não deveria ser objeto de Consulta Pública?

 

*Joselito Alves MSC, Especialista Infraestrutura Saneamento Básico Coordenador Saneamento e Meio ambiente – OSCIP Rio Limpo


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