Uma grande perda

Confira o artigo de Bruna Esteves

[Uma grande perda]

FOTO: Reprodução

O ano de 2020 tem sido difícil por diversos motivos: pandemia, isolamento social, crise econômica, dentre outros. Não vou nem adentrar no mérito da corrupção, da politicagem e da violência, pois estas continuam ocorrendo de forma indiscriminada, escrachada e desumana até mesmo em momentos como este, o que na visão de muitos, é uma fatalidade e uma vergonha para este país.

A cada dia surge uma nova notícia relatando mais uma tragédia. Em tempos de quarentena, em que nos resta apenas acompanhar aos noticiários, nos damos conta da quantidade de fatos que chocam o Brasil e o mundo todos os dias. Às vezes, para não dizer na maior parte do tempo, é sufocante a quantidade de matérias jornalísticas anunciando mais e mais mortes, de pessoas que não terão direito a um velório digno, com a presença de todos os entes queridos. Como se não bastasse morrer, ainda serem enterradas sem o acalento daqueles que amam.

Infelizmente, quando estamos nos recuperando de inúmeros acontecimentos estarrecedores, vem a notícia do falecimento de uma criança de apenas cinco anos de idade que não sobreviveu a uma queda do 9º andar de um prédio. Miguel Octávio Santana da Silva, filho da doméstica Mirtes Renata Santana de Souza, morreu por displicência de alguém que deveria, ao menos, ter tido o mínimo de cuidado e zelo com o filho de outa pessoa.

Contudo, o que está por detrás da morte do pequeno Miguel? Esta é a pergunta que não quer calar. A resposta, no entanto, é muito mais difícil e complexa. Afinal de contas, o que levaria um ser humano a abandonar uma criança dentro de um elevador a mercê da própria sorte ou sem alguém para dar assistência? Mas a criança já não estava sob a responsabilidade de um adulto?

A verdade dos fatos talvez nunca saibamos, mas a conduta da empregadora de Mirtes é altamente questionável, ainda mais quando se trata de uma mulher que já vivencia a maternidade. Por que o tratamento para com Miguel Octávio foi diferente? E se fosse um filho de uma amiga, de um parente ou até mesmo do vizinho que pedisse a ela para tomar conta, será que daria o mesmo tratamento? Até o presente momento, não temos como saber. A dor da dúvida e da incerteza é dolorosa demais. Só não é maior do que a perda de um filho.

Nas imagens captadas pelo elevador do prédio, localizado na zona central do Recife, é perceptível a falta de paciência de uma mulher para com uma criança de apenas cinco anos! Trata-se de um menor, que estava na casa de uma pessoa estranha e que talvez, por medo ou insegurança, queria estar próximo da mãe. Entretanto, Mirtes Renata estava passeando com o cachorro da patroa quando tudo isso ocorreu. É importante dizer que no dia do incidente, Mirtes tinha levado o seu filho ao local de trabalho, por falta de opções para com quem deixá-lo no horário do expediente.

Vale ressaltar que assim como Mirtes de Souza, há várias outras mulheres que continuam trabalhando na casa dos patrões durante a quarentena e, pelo fato das escolas e creches continuarem fechadas por determinação legal, muitas não tem com quem deixar seus filhos. Para a infelicidade de Mirtes, deixar seu bem mais precioso na casa da patroa não foi uma boa ideia. Mas como ela poderia imaginar que algo desta magnitude poderia acontecer? Era totalmente imprevisível e inimaginável! E pensar que enquanto ela cuidava do cachorro da patroa, seu filho estava sendo descuidado de maneira tão leviana e irresponsável! Para não dizer, tratado pior que do que um cão.

A empregadora Sarí Gaspar Côrte Real foi indiciada por homicídio culposo e responderá em liberdade após pagar fiança de R$ 20.000,00 (vinte mil). Em que pese o cumprimento da lei penal, não há dinheiro que pague uma vida, ainda mais quando se trata de um indivíduo de tenra idade, que tinha uma longa trajetória pela frente. Principalmente, quando se trata da perda de um filho. Ninguém, absolutamente ninguém está preparado para vivenciar um luto como este.

Acredito que Sarí Côrte não teve a intenção de matar Miguel Octávio, contudo, seu comportamento negligente diante dos fatos, demonstra que faltou com o dever de cuidado e empatia para com uma criança que não tinha nenhuma noção do perigo ao entrar naquele elevador. E acima de tudo, faltou com o sentimento de consideração e respeito para com Mirtes Renata, uma pessoa que se dedica aos trabalhos domésticos em sua residência e quem confiou o seu filho aos seus cuidados.

O que chamou a atenção deste caso em particular foi o fato da Polícia Civil não querer, à priori, divulgar o nome da acusada, sendo este revelado pela mãe da criança em depoimento feito às mídias locais. A própria Mirtes desabafou que se tivesse sido o contrário, provavelmente o nome dela estaria exposto, sem censuras, em todos os jornais.

É uma afirmação que requer uma reflexão mais profunda, levando-se em consideração o contexto social do nosso país. Mas o grande questionamento deste trágico incidente é: se ao invés do filho da empregada doméstica, tivesse sido o filho do vizinho, de um parente ou de um amigo da família, será que esta criança teria o mesmo tratamento que Miguel?

Vale frisar que nada justifica a morte dele, se é que existe alguma justificativa plausível para a morte desta criança! Contudo, não podemos permitir que a dor desta mãe seja esquecida. Portanto, aproveito este espaço para honrar a vida e a morte de Miguel Octávio Santana da Silva. Que Deus o abençoe.


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