A pax brasileira

Às

A pax brasileira

Miguel Torga, poeta português dos mais aclamados, definiu num poema imortal, o que se passa no Brasil dos nossos tempos, tempos sombrios e dolorosos. Diz ele: “é um fenômeno curioso: o país ergue-se indignado, moureja o dia inteiro indignado, come, bebe e diverte-se indignado, mas não passa disto. Falta-lhe o romantismo típico da agressão. Somos, socialmente, uma coletividade pacífica de revoltados”.

Por toda parte, no Senado e no povo, ouve-se o grito indignado, num protesto veemente e amargurado contra a decisão monocrática do ministro decano do STF, Gilmar Mendes, que revoga parte de uma provecta lei dos idos de 1950, que estabelece o rito de impeachment de ministro do tribunal superior.

A decisão monocrática, dependente de aprovação pelo pleno do STF, retira do cidadão comum o pedido de impedimento de um juiz do tribunal e o transfere para a Procuradoria Geral da República – PGR, que passa a ter a prerrogativa exclusiva de fazê-lo e outras decisões liminares que eliminam prerrogativas dos Senadores, com- figuradas na Constituição Federal de 1988.
Não pretendo fazer deste comentário uma abordagem jurídica, trazendo à tona o que estabelece com absoluta clareza o texto constitucional. Isto já feito pelas milhares de críticas publicadas pelo país afora.

Contento-me se conseguir figurar entre os que pertencem à coletividade, sem dela ser mais um dos pacificamente revoltados. Exercer, por assim dizer a cidadania que está sendo violentamente usurpada e desgraçadamente violada.

Com este ato transloucado do ministro mais antigo do tribunal, presenciamos um único homem destituir direitos de todos os brasileiros consagrados na Constituição, ou seja, arvora-se a detentor de um poder imaginário, que só existe na arrogância golpista de suas lesivas atribuições.

O que fazer, senão instaurar inquérito policial e através dele proceder à denúncia pela PGR deste crime inominável, somente designado como efetivo ato destinado a usurpar poderes constitucionais da República e atentado real ao estado democrático de direito. 

Está redondamente equivocada a ministra Carmen Lúcia, parceira de Gilmar Mendes, quando pretende ditar regras contra a civilização democrática e liberal, quando afirma, a fim de iludir os incautos e incultos, que “nós estamos entrando no período da democracia apresentativa. O cidadão não quer mais se representar. Ele quer se apresentar”. Que estupidez! Com essas palavras ela imagina que derrubou de uma vez a grande engenharia humana com a qual a democracia moderna foi construída!

O que está sendo demolido é o princípio de pesos e contrapesos, pensado por Montesquieu, aprimorado pelo profícuo debate republicano dos país fundadores da democracia norte-americana, cujos princípios fundamentais tem inspirado o mundo ocidental. 

Sem eles e a previsão constitucional de como deve funcionar, instauramos a mais odiosa e completa ditadura, a ditadura do poder judiciário, contra a qual todos os demais poderes perdem suas prerrogativas próprias e eliminam as fronteiras da harmonia e da independência entre eles. 

O protesto quase unânime que se espalhou pela nação, diante deste ato inconcebível do ministro Gilmar Mendes, converte-se em ações práticas dos demais poderes, principalmente o legislativo, ou exprimirá outra vez a coletividade pacífica de revoltados.

Imaginemos que tal anomalia passará a vigorar em função do poder esmagador que o STF exerce sobre a república, brevemente estaremos a braços com a mais nova aspiração da ditadura. A criação da guarda nacional em substituição das forças armadas brasileiras, com a mesma finalidade com que foi criada por Hugo Chaves na Venezuela, não restará senão uma nevoa da democracia que já imperou neste país.

É bom lembrar o que disse Monstesquieu: “a injustiça se  espalha e ameaça toda a sociedade”. É tarde, mas em tempo!

Comentários

Os comentários são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site. Se achar algo que viole os termos de uso, denuncie:redacao@fbcomunicacao.com.br
*Os comentários podem levar até 1 minutos para serem exibidos

Faça seu comentário