Confira a crônica do jornalista Erick Tedesco

[Compulsão pelas horas]

FOTO: Divulgação

Tenho um relógio novo após quase dois anos sem nada no pulso. A sutileza no movimento dos olhos em direção ao antebraço para conferir o horário é uma praticidade inabalável, que tecnologia alguma – o relógio digital no celular ou minúsculo na tela do computador (que vive atrasando automaticamente) – vai tornar obsoleto este objeto acoplável ao corpo. Ao menos para aqueles, como eu, que regra as manhãs, tardes e noites pelas horas.

Confesso: sou viciado em saber que horas são. Nestes anos sem um relógio no pulso e sem o celular no bolso para sacá-lo e bisbilhotar, mal posso pegar elevador ou fila com pessoas capazes de me informar o horário exato – pergunto, mesmo, sempre.

Enquanto não me falam, enquanto não tenho como saber, fico resgatando eventos ao longo do dia para calcular que horas pode ser naquele momento de amargura. Penso em que horas levantei, se dentro do período ideal para passear com o cão e voltar para escrever em tempo o editoral do Farol da Bahia; lembro que fiz o segundo café do dia às 10h10, em tempo de dar cabo a outras pendências jornalísticas até 11 horas, quanto então tinha uma reunião fora de casa, exatamente quando os números digitais da tela do computador ou celular me fugiu aos olhos.

Óbvio que esta compulsão pelas horas não é banal, ao menos tento acreditar. Ter controle do tempo é um mecanismo para evitar perder controle de tantas coisas para se fazer, diariamente. Sem um organograma de horas, simplesmente permito afrouxar os compromissos profissionais com o correr do tempo e, sem rédias, ele voa, dilacera a concentração. É um semicolapso só de imaginar uma manhã sequer sem ver as horas de sempre em sempre.

Neste exato momento, escrevo e finalizado esta crônica ávido para correr até a sala e ver no meu relógio novo que horas exatamente são neste início de domingo, afinal, o relógio do computador continua errado e impreciso.


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