Falta de contato com natureza afeta crianças em comunidades tradicionais na Amazônia
Em comunidades tradicionais, a aproximação com a natureza não é apenas parte da rotina de crianças e adolescentes

Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil
Degradação ambiental, eventos climáticos extremos e grandes construções no meio da floresta estão afastando crianças do convívio com a natureza, mesmo em áreas com biodiversidade rica, como a amazônia.
Em comunidades tradicionais, a aproximação com a natureza não é apenas parte da rotina de crianças e adolescentes, mas um elemento essencial para a sobrevivência e para o desenvolvimento de laços sociais e culturais. Por estarem em maior contato maior com o ambiente, crianças indígenas e quilombolas sofrem mais rápida e diretamente os impactos das mudanças climáticas.
Esse foi o tema da pesquisa da pedagoga e cientista social Eliana Pojo, que passou dois anos com os moradores do quilombo Tauerá-Açú, em Abaetetuba, no Pará, para entender o papel dos rios e dos cursos dágua no desenvolvimento infantil em territórios ribeirinhos.
Paraense, a pesquisadora conta que cresceu tomando banho nos mesmos rios em que hoje realiza seu trabalho acadêmico. Durante a pesquisa, ela percebeu que as atividades em ambientes aquáticos eram importantes para fortalecer os vínculos comunitários e ajudar a preservar conhecimentos tradicionais passados entre gerações.
"Existe um enorme potencial ecológico e cultural na amazônia, mas, em contrapartida, existe uma desigualdade muito forte que os moradores desse local enfrentam." Além de dificuldades como a falta de estrutura para um transporte escolar adequado, Eliane destaca que o modo de vida de toda a comunidade está ameaçado pela degradação ambiental na região.
As crianças são observadoras, percebem a preocupação dos familiares, a diminuição de peixes e de outros alimentos à mesa e reclamam quando são impedidas de se banhar nos rios. O que acontece, afirma Eliane, "porque as mães têm se preocupado com a saúde dos filhos, caso surja uma alergia ou uma doença decorrente da água."
"O rio não é só um elemento de trabalho ou de transporte, e também não é só um elemento da paisagem, mas tudo isso cria um cenário sociocultural que é parte da identidade daquela comunidade e de quem aquela criança está se tornando."
Afastar uma criança do meio ambiente impacta o desenvolvimento integral dela, afirma Paula Magalhães, especialista em educação, natureza e cultura do Instituto Alana.
A saúde física, emocional e a garantia de direitos básicos ficam comprometidas quando suas comunidades são expostas a situações como secas, enchentes, calor extremo. E a situação é ainda mais delicada quando territórios tradicionais são afetados, diz a especialista.
"A saúde da natureza é considerada vital em muitas cosmovisões indígenas e quilombolas, as mudanças afetam não apenas o ambiente, mas toda a comunidade."
Em Altamira, também no Pará, a ativista Daniela Silva, 31, compartilha da mesma visão. Ela é uma das criadoras do Projeto Aldeias, uma iniciativa que funciona no contraturno escolar e recebe crianças e adolescentes, entre 3 e 15 anos, para oficinas e atividades de imersão na floresta.
"Cresci num bairro que era povoado por indígenas, ribeirinhos e pescadores e nós tínhamos uma vivência comunitária muito forte com essa diversidade de povos e com a natureza."
Porém, devido à construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, inaugurada em 2016, a comunidade foi retirada da região e instalada em outro bairro, mais distante do rio Xingu, que banhava a vizinhança de Daniela, prejudicando os laços comunitários e a relação com a floresta, que era característica do local.
O projeto surge em 2019, como uma proposta de intervenção socioambiental. "Nosso foco mesmo é trabalhar o pertencimento, o território, a amazônia", afirma a gestora do projeto. Ela conta que as áreas residenciais e de periferia têm pouca área verde, os brinquedos para as crianças são feitos de ferro e isso desestimula o contato delas com o território em que vivem.
"As crianças da periferia aqui de Altamira são completamente esquecidas das pautas ambientais, são elas que sofrem com racismo ambiental e antes [da de a comunidade ser retirada das margens do rio] seus familiares tinham uma ligação muito forte com a região, eram pescadores, ribeirinhos, agricultores."
Hoje, Aldeias funciona como uma espécie de rede de apoio para as famílias do local, mas nasceu para atender uma necessidade da família de Daniela. O irmão da ativista morreu em 2019, deixando dois filhos, Neymar e Maria Antônia, na época com 9 e 5 anos respectivamente.
A mãe dela foi quem assumiu o cuidado das crianças. Preocupada, ela começou a pensar em formas de não deixar a mãe sozinha na criação dos sobrinhos e resgatar a rede comunitária que viveu em sua infância.
A aproximação com a natureza foi o caminho que escolheu. "Elas não tinham um sentimento de pertencimento com o território. Hoje, acho que se sentem mais seguras, têm mais vontade de falar o que pensam, dar ideias." Daniela conta também que queria que elas pudessem ver a importância da amazônia e da floresta local, não apenas a violência crescente na cidade.
"Todo mundo fala vamos defender a amazônia, mas a gente só defende aquilo que a gente ama e conhece."
Neymar, o sobrinho de Daniela, participa do projeto desde o início e hoje, aos 14 anos, faz parte da equipe de monitores. A equipe do Aldeias tem cerca de 15 pessoas e as atividades são financiadas por doações de pessoas físicas e jurídicas.