Governo Lula avalia que ameaças de Trump fortalecem posição do Brics contra tarifas
Trump disse numa rede social que qualquer país que "se alinhe às políticas antiamericanas do Brics" será afetado por uma tarifa adicional de 10%

Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil
Membros do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disseram nesta segunda-feira (7) que ainda é cedo para avaliar os impactos das novas ameaças de Donald Trump contra o Brics, mas afirmaram que elas fortalecem as críticas do bloco contra medidas unilaterais no comércio internacional, como as tarifas impostas pelo republicano.
Na noite do domingo (6), Trump disse numa rede social que qualquer país que "se alinhe às políticas antiamericanas do Brics" será afetado por uma tarifa adicional de 10%. "Não haverá exceção a essa política. Obrigado por sua atenção", escreveu Trump.
Na avaliação de um membro do governo brasileiro, a ameaça de Trump é a prova concreta da necessidade de defesa do multilateralismo e reforça a mensagem defendida pelo Brics contra medidas unilaterais. Esse interlocutor ressalta que as referências nos documentos do grupo são abrangentes e valem para diversos países, mas admite que o recado é principalmente destinado aos americanos.
Outra fonte ouvida pela Folha destacou que o vaivém de declarações de Trump, com promessas que por vezes não se concretizam, faz com que muitos países optem por dar menos peso a cada nova manifestação do republicano.
Já um diplomata estrangeiro envolvido na cúpula rebateu o argumento de que o Brics é antiamericano. Ele defendeu o engajamento do seu país no bloco, que segundo ele é voltado para o desenvolvimento e cooperação entre os membros.
Paralelamente ao anúncio de Trump, o secretário do Tesouro dos EUA, Scott Bessent, disse que os EUA os americanos aplicarão em 1º de agosto tarifas aos parceiros comerciais com os quais não tenha alcançado acordos, seja Taiwan ou a União Europeia.
As tarifas "saltarão" até os níveis que Trump havia anunciado em 2 de abril, antes de suspender as taxas para permitir negociações comerciais e estabelecer um prazo até 9 de julho para conseguir acordos, disse Bessent à rede CNN.
Bessent reiterou declarações feitas por Trump na sexta-feira (4) à imprensa, quando mencionou um novo prazo para a imposição das tarifas alfandegárias.
As chamadas tarifas recíprocas anunciadas em 2 de abril -posteriormente suspensas temporariamente- afetaram os membros do Brics de forma diferente. Enquanto o Brasil ficou com a sobretaxa mais baixa, de 10%, a China chegou a ser tarifada em mais de 140% (os dois países chegaram a um acordo para reduzir o índice).
A Índia foi afetada por tarifas de 26% e a África do Sul recebeu 30%. A maioria do índice dos novos membros -Egito, Emirados Árabes, Etiópia e Arábia Saudita- do Brics foi de 10%, com exceção da Indonésia (32%).
No comunicado da cúpula de líderes, o Brics criticou, sem citar Trump, o "aumento indiscriminado de tarifas" como ameaça à redução do comércio global e condenou a imposição de "medidas coercitivas unilaterais contrárias ao direito internacional", sem citar nominalmente o presidente dos Estados Unidos.
Os países manifestaram também no texto ter "sérias preocupações" com o aumento de medidas tarifárias e não tarifárias unilaterais "que distorcem o comércio e são inconsistentes com as regras da OMC (Organização Mundial do Comércio)".
Os membros ainda alertaram que ações voltadas para questões ambientais não devem ser usadas para disfarçar restrições ao comércio internacional -mensagem que nesse caso pode ser interpretada como um recado à União Europeia pela lei antidesmatamento.
"A proliferação de ações restritivas ao comércio, seja na forma de aumento indiscriminado de tarifas e de medidas não tarifárias, seja na forma de protecionismo sob o disfarce de objetivos ambientais, ameaça reduzir ainda mais o comércio global, interromper as cadeias de suprimentos globais e introduzir incerteza nas atividades econômicas e comerciais internacionais, potencialmente exacerbando as disparidades econômicas existentes e afetando as perspectivas de desenvolvimento econômico global", disse trecho do documento.
Além do Brasil, outros países membros do Brics reagiram na manhã desta segunda às novas ameaças de Trump.
O porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, afirmou que o Brics não é um grupo que age contra outros países. "A singularidade de um grupo como o Brics é que se trata de um grupo de países que compartilham abordagens comuns e uma visão de mundo comum sobre como cooperar, com base em seus próprios interesses", disse.
Um porta-voz do governo da África do Sul, por sua vez, afirmou ainda que o país não é antiamericano e busca um acordo comercial com os EUA. "Ainda aguardamos comunicação formal dos EUA a respeito do nosso acordo comercial, mas nossas conversas permanecem construtivas e frutíferas", afirmou à agência Reuters o porta-voz do ministério do comércio, Kaamil Alli.
A porta-voz do Ministério do Exterior, Mao Ning, em entrevista coletiva em Pequim (madrugada no Brasil), afirmou que, "no que diz respeito à imposição de tarifas, a China declarou repetidamente sua posição de que não há vencedores em guerras comerciais e tarifárias e o protecionismo não leva a lugar nenhum".
"O mecanismo Brics é uma plataforma importante para a cooperação entre mercados emergentes e países em desenvolvimento", disse. "Defende abertura, inclusão e cooperação ganha-ganha e não tem nenhum país como alvo", acrescentou.
Questionado sobre as falas de Trump, o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, disse: "De fato, vimos essas declarações do presidente Trump, mas é muito importante observar aqui que a singularidade de um grupo como o Brics é que ele é um grupo de países que compartilham abordagens comuns e uma visão de mundo comum sobre como cooperar com base em seus próprios interesses".
"E essa cooperação dentro do Brics nunca foi e nunca será direcionada contra terceiros países".