Greve dos professores municipais de Salvador completa 60 dias com impasse sobre piso salarial e denúncia de 'manobra contábil'
Categoria, que acusa prefeitura de driblar cumprimento da lei, discute nova proposta em assembleia nesta terça-feira (8)

Foto: APLB Sindicato/Divulgação
A greve dos professores da rede municipal de Salvador completou 60 dias neste domingo (6), no entanto, a paralisação das atividades em sala de aula segue sem perspectiva de encerramento. A suspensão dos trabalhos da categoria foi deflagrada no dia 6 de maio, depois de meses de tentativa de negociação com a gestão do prefeito Bruno Reis (UB), sem que houvesse acordo. Desde fevereiro, os docentes reivindicam o pagamento integral do piso nacional do magistério, fixado em R$ 4.867,77, além de melhores condições de trabalho nas unidades escolares da capital baiana.
Segundo o Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado da Bahia (APLB), em Salvador o piso está defasado em 58%. A prefeitura, no entanto, afirma que a maioria dos professores já recebe acima desse valor, ao considerar gratificações incorporadas ao vencimento. Em maio, a Câmara Municipal aprovou uma proposta de reajuste enviada pelo Executivo, com percentuais diferenciados entre os cargos, que variam de 4,83% a 9,25%, o que foi considerado insuficiente pela categoria.
Em entrevista ao Farol da Bahia, a dirigente sindical Ciclea Oliveira, da APLB, detalhou o histórico do movimento que, segundo ela, vai muito além de apenas questões salariais, mas também estruturais e pedagógicas. “Desde o dia 18 de fevereiro que a categoria aprovou em assembleia a pauta de reivindicações da campanha salarial e não apenas visando o salário e reajuste, porque a gente também reivindica estruturas dignas, climatização na sala de aula, porque aqui em Salvador as temperaturas são muito elevadas”, afirmou.
Ela explica que o desconforto térmico nas escolas prejudica o processo de aprendizagem das crianças, além de comprometer o bem estar dos alunos e dos profissionais da educação. Outra reivindicação da categoria é a contratação de mais profissionais de Auxiliar de Desenvolvimento Infantil [ADI], que garantem a inclusão de estudantes com deficiência.
“Tem diversas outras questões que perpassam, desde a inclusão, falta de auxiliar de desenvolvimento infantil, que são aqueles profissionais que dão suporte ao aluno que necessita dentro da sala de aula, para o aluno que precisa de mobilidade, ou precisa de alimentação na boca, ou precisa que seja feita a higiene com a ida ao banheiro”, pontuou.
Piso salarial e gratificações
Ainda segundo a sindicalista, o principal impasse foi a insistência da gestão municipal em afirmar que já pagava o piso salarial. De acordo com essa, o cálculo do pagamento realizado pela prefeitura já incluía as gratificações, o que, segundo a APLB, é inconstitucional, conforme determina a Lei do Piso Nacional.
“O prefeito nunca admitiu que não pagava o piso, porque ele juntava gratificação com o vencimento inicial e justificava dizendo que pagava o piso dessa forma. Mas não é isso que diz a Lei do Piso Nacional. Ficamos nesse impasse, eles diziam que pagava e a gente dizia que não pagava”, explicou.
Com ausência de avanços nas negociações nos meses de fevereiro e março, os professores aprovaram um indicativo de greve em abril, com o início da greve marcado para 6 de maio. De acordo com Ciclea, a paralisação foi divulgada, com uso de carros de som e ações nas ruas. "A gente foi em busca do Ministério Público [da Bahia MP-BA], o Ministério Público através do Compor, que é um órgão de conciliação, com mediação, também não conseguiu avançar", acrescentou.
No dia 23 de maio, a prefeitura encaminhou à Câmara Municipal um projeto de lei que previa reajustes para todos os servidores da rede municipal, entre eles, os professores. Segundo Ciclea, o acesso à Casa Legislativa foi dificultado naquele dia, o que gerou o episódio da invasão à Câmara. “Eles dificultaram o acesso dos servidores, convocaram funcionários de prefeituras-bairro, lideranças de vereadores, ocuparam o espaço da Câmara para não deixar que os servidores de fato tivessem acesso naquela votação”, contou à reportagem.
Ela afirma que a aprovação da proposta representou um ataque direto ao plano de carreira da categoria. “Ele interferiu no nosso plano de carreira, colocou emendas que afetam diretamente o coração do nosso plano. Ele incorporou gratificações ao vencimento inicial. Incorporando essas gratificações, agora ele diz que paga o piso no vencimento, mas ele pegou o nosso dinheiro para pagar o nosso salário e diz que paga o piso", disse ao afirmar que a gestão do prefeito Bruno Reis usou uma "manobra contábil" para justificar o cumprimento da lei.
“Saímos com o plano desarranjado, prejudicando a gente e com uma manobra contábil no momento em que ele incorpora uma gratificação. Ele pega o nosso dinheiro e paga a gente o piso”, comentou ao detalhar que o congelamento das gratificações é o ponto mais sensível para os professores.
Ciclea relatou ao Farol da Bahia que a gratificação de aprimoramento, que é quando o professor faz curso de especialização, mestrado ou doutorado, havia sido congelado em valor fixo, mas que a APLB conseguiu avançar nesse ponto nas negociações e fazer com que fosse revertido para porcentagem. "Só que assim, a situação foi tão ruim que às vezes o que melhora ainda não é o ideal”, comentou.
No entanto, segundo ela, a gratificação por otimização segue como um dos pontos mais sensíveis e com valor fixado sem alteração. “A otimização precisa ser em percentual. Otimização é uma gratificação que os professores recebem pelo trabalho extraclasse. [...] Antes, esses valores fixos não previam nenhum tipo de reajuste. A gente conseguiu fazer com que ele seja reajustado de acordo com o reajuste do Piso Nacional anualmente, mas ele ainda continua com o valor fixo".
A gratificação por otimização refere-se ao trabalho extraclasse realizado pelos docentes, a exemplo de correção de provas, planejamento e formação.
Cortes nos salários
Portadora de anemia falciforme, uma professora da rede municipal, que preferiu não ser identificada por medo de retaliações, afirmou que os cortes no salário durante a greve implicaram no seu tratamento contra a doença e no acúmulo de dívidas. "Esses dois meses têm sido muito difíceis, pois com os cortes no salário, estou sendo impossibilitada de seguir corretamente o tratamento de anemia falciforme. Estou tendo dificuldades para comprar medicamentos, ir para consultas e emergências, além de manter minha alimentação equilibrada. Fora os boletos que ficaram atrasados”., relatou.
Contratada pelo Regime Especial Administrativo (REDA), ela admite que está com receio de ser exonerada antes do término do período de contratação. A Professora diz ainda que retornou para sala de aula no início de junho, porém teve descontos exorbitantes em maio e julho na folha de pagamento, o que a fez aderir a greve mais uma vez.
"Retornei no dia 02 e quando o contracheque de maio chegou e veio com descontos resolvi paralisar novamente. Hoje me encontro em casa. Voltei a aderir à greve.", frisou.
Questionada como avalia a proposta apresentada pela prefeitura, a educadora detalhou que desinteresse por parte da gestão e falta de diálogo com a categoria. "[Essa proposta] é desrespeitosa e humilhante. A prefeitura não demonstra nenhum interesse em atender verdadeiramente as nossas solicitações. Além de recusar ter diálogo com os professores, tirou direitos conquistados durante anos e finge estar pagando o piso", disse.
Apesar da assembleia estar marcada para acontecer nesta terça-feira (8), a professora afirma não estar confiante de que a greve será finalizada. "Infelizmente não, pois o que a prefeitura de Salvador está fazendo é muito sério, muito grave e a greve é a única forma que os professores tem de serem ouvidos, deterem seus direitos devolvidos e garantidos", concluiu.
Outra servidora que também preferiu não se identificar, resumiu os dois meses de greve como angustiante e marcado pela falta de empatia e o desrespeito por parte do prefeito de Salvador, Bruno Reis.
“Foi lastimável. Ele abrir a boca para dizer que o professor recebe R$ 9.200, sendo que, na verdade, nós não recebemos esse valor. Se nós recebêssemos esse valor, nós estaríamos querendo um piso de R$ 4.480, não é isso?”, indaga.
A professora reprova ainda a aprovação do projeto de Lei 174/25, sancionada pelo prefeito que modificou o plano de carreira dos professores. Para a professora, a mudança representou um golpe contra a categoria e um risco para os profissionais que se aposentarem sem a garantia dos benefícios adquiridos ao longo dos anos. " [...] ele acabou com o plano de carreira do professor, né? Com essa PL 174, ele simplesmente acabou com essa nova lei”, pontuou.
Para que haja o retorno às salas de aulas, a servidora ressalta a necessidade do ressarcimento dos descontos feitos durante a greve. “Primeira coisa que ele tem que fazer para poder pôr um fim na greve é nos ressarcir dos descontos, que no meu salário mesmo foi R$ 3.356,00. Eu só recebi R$ 274,00. Teve professor que os descontos foram maiores, quer dizer, tudo feito de forma aleatoriamente, até quem estava trabalhando na greve também recebeu os cortes.”, finalizou.
Nova assembleia pode decidir fim ou permanência da greve
Nesta segunda-feira (7), a APLB promove um seminário técnico com a economista Ana Georgina da Silva, do DIEESE [Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos], para analisar a última proposta apresentada pela prefeitura. "A categoria vai analisar o que é que melhora, o que é que favorece, se tem alguma coisa que favorece. A gente vai detalhar para categoria exatamente o que significa essa proposta", contou.
Já a nova assembleia que definirá os próximos rumos da greve acontece nesta terça-feira (8). Contudo a dirigente da APLB evitou cravar a possibilidade do fim da greve dos professores. “A gente não pode afirmar fim da greve. Fim da greve é uma questão que a categoria decide em assembleia. [...] isso vai depender do que as pessoas entendem dessa nova proposta feita pelo governo municipal, se realmente traz algum benefício ou não”, acrescentou.
Independente do resultado da assembleia marcada para terça (8), Ciclea adiantou que a APLB judicializou os principais pontos da proposta aprovada na Câmara. “A gente entende que essa lei que aprovou e mexeu com o nosso plano de carreira é inconstitucional, porque existe uma lei nacional do Piso, existe a lei de valorização do professor, do magistério, então, a gente não pode dizer que essa greve acaba amanhã”, declarou.
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