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O fantasma do CLT entre os jovens: de sinônimo de estabilidade a xingamento

Especialistas avaliam cenário de aversão das novas gerações ao trabalho com carteira assinada

Por Inara Almeida
Ás

Atualizado
O fantasma do CLT entre os jovens: de sinônimo de estabilidade a xingamento

Foto: Divulgação

Um vídeo viralizado nas redes sociais mostra um personagem de Minecraft - um dos jogos online mais populares do mundo entre jovens e adolescentes - fugindo desesperadamente do “monstro”, representado pela carteira de trabalho. Em uma escola privada de São Luís (MA), uma criança negra foi alvo de bullying e racismo ao receber de colegas uma carteira de trabalho simbólica e ser apelidada de ‘CLT’. Esses dois episódios são retratos de um fenômeno cada vez mais discutido na contemporaneidade: a aversão das novas gerações ao regime CLT - que passou de representação de estabilidade para sinônimo de fracasso, escárnio e até mesmo xingamento para as novas gerações.

As principais críticas da geração Z à CLT, segundo uma pesquisa divulgada pelo Ministério do Trabalho no dia 29 de abril, passam por baixos salários e falta de flexibilidade na jornada até o adoecimento mental provocado pelo estresse e falta de reconhecimento. Para Amanda Lima, 30, que deixou o seu emprego com registro formal para tocar a sua papelaria online, o desejo de liberdade de criação e de ter mais flexibilidade para estar com a família, além do lucro maior que o salário como CLT, foram os principais motivadores. Segundo ela, o novo estilo de vida enquanto empreendedora é algo que não pretende abrir mão.


Carteira de trabalho simbólica entregue a criança de 9 anos por colegas de escola; Foto: reprodução

“Me deu a possibilidade de estar em casa, fazer o meu horário, mesmo que trabalhando mais. Acompanhar melhor o crescimento da minha filha e ter essa liberdade de criação, de trabalhar com o que eu realmente gosto, para mim foi o importante, e é, até hoje, muito importante”, destaca Amanda.

Já Vinicius Gomes, 20, apostou direto no próprio negócio de assistência técnica e venda de eletrônicos ao concluir o ensino médio. Ainda sem experiência com o regime CLT, o jovem argumenta que até migraria para o trabalho com carteira assinada, mas não por muito tempo: como planos de abrir uma empresa especializada na sua área de estudo, Tecnologia da Informação (TI), aplicaria os conhecimentos adquiridos no mercado de trabalho em seu próprio negócio.

Para o jovem, apesar dos desafios, a maior vantagem do empreendedorismo é a rotina flexível. “Como empreendedor, consigo realizar tarefas diárias que, no CLT, não seria tão fácil. Mas o empresário fica muito vulnerável, principalmente se ele ainda não está estabelecido no mercado, a várias coisas, como a economia do país, problema de saúde, impostos”, pondera Vinicius.

Mercado de trabalho e o digital

Na avaliação do sociólogo e professor do Colégio Pedro II/RJ Vinícius Fernandes, essas transformações na relação dos jovens com o mundo do trabalho são frutos de um resultado processual de médio prazo. Vinícius chama atenção para o fato de que, neste processo, embora tenha havido um crescimento na empregabilidade dos mais jovens, a faixa entre 15 e 29 anos segue liderando os índices de desemprego e de pessoas que não estão procurando emprego.

Um segundo ponto é a crescente precarização do mundo do trabalho, destacou o sociólogo, que tem afetado a maneira como a juventude encara o mercado.  “O achatamento do poder de compra, aumento das cargas de intensidade e tempo de trabalho, dificuldades crescentes de mobilidade urbana e a própria dificuldade do “mercado” em cada vez mais absorver jovens com escolaridades defasadas, pouca formação técnica e habilidades sociais consideradas não úteis para este mercado principalmente fundado na oferta de serviços”, diz.

Fernandes ainda destaca o papel das redes sociais na construção de um ideal de sucesso para jovens internautas através do empreendedorismo e plataformas digitais. “Há uma proliferação de perfis de menores de idade menosprezando a continuidade na vida escolar ou acadêmica, e isto consequentemente atuará também nas percepções sobre a formalidade do emprego. Ser CLT passa a ser, além de tudo, antiquado e produz uma sensação de permanência e reprodução de condições de vida, não de ascensão”, pontua o sociólogo.


Reprodução/TikTok

CLT ainda vale a pena?

Entre os que seguem almejando o trabalho com carteira assinada, a conquista de direitos trabalhistas é sinônimo de segurança, embora os problemas sejam reconhecidos. É o caso da adolescente Lana Rosa, 17, que tem o emprego CLT - e as férias remuneradas e vales transporte e alimentação - como uma de suas metas para a vida adulta.

“Trabalhar como CLT ainda é uma meta para muitos jovens. O fato é que hoje os jovens sabem sobre os seus direitos trabalhistas e muitas lojas e empresas pensam que contratar jovens será mais "fácil" e com salário menor. Como desvantagens têm ainda a escala 6x1, que é desumana para qualquer pessoa, ou as muitas horas extras que , na maioria das vezes, não são remuneradas”, afirma a jovem.

O advogado Felipe Mazza, coordenador trabalhista do Efcan Advogados, defende que, apesar da necessidade de avanços no Direito Trabalhista, sobretudo no que diz respeito à flexibilização da jornada de trabalho, a legislação trabalhista ainda é “bastante sólida” na proteção dos direitos dos empregados - ao contrário do regime de contratação PJ, por exemplo. “O trabalho com carteira assinada pode parecer ‘fora de moda’ diante da ampla divulgação de um falso ideal de empreendedorismo e da elevada carga tributária que incide sobre a folha de pagamento, o que, muitas vezes, reduz o rendimento líquido do empregado”, explica Mazza.

Jornada máxima de trabalho, descanso semanal remunerado, férias acrescidas de 1/3, verbas rescisórias em caso de dispensa sem justa causa, proteção do ambiente de trabalho e proteção previdenciária são alguns dos direitos garantidos sob o regime CLT. O advogado Gabriel Henrique Santoro, coordenador trabalhista do Juveniz Jr. Rolim Ferraz Advogados, esclarece que a relação do trabalhador informal ou PJ com tomadores de serviço, por sua vez, está inserida dentro do ramo do direito civil.

“Em um primeiro momento, parece muito vantajoso ser PJ, pois você não tem chefe e não precisa seguir ordens de ninguém. Porém, na maioria das vezes, isso é uma falsa ilusão, pois a maioria dos PJs no país são "empregados" disfarçados de empreendedores. O problema é que estes ‘ditos’ PJs estão completamente desprotegidos dos direitos sociais e trabalhistas e só irão descobrir isso quando estiverem completamente sem trabalho ou doentes”, destaca Gabriel.

Em 14 de abril deste ano, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu todos os processos e ações que ocorrem sobre a pejotização até que a Corte vote a sua legalidade, ou não. A expectativa de entidades sindicais de trabalhadores é que não haja a aprovação irrestrita deste tipo de contrato.

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