Pesquisa aponta que 80% dos intubados por Covid-19 morreram no Brasil em 2020
Dados inéditos foram obtidos pela BBC News Brasil

Foto: Silvio Avila/G1
Dados de uma pesquisa inédita obtidos com exclusividade pela BBC News Brasil apontam que 80% dos pacientes intubados por Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus, morreram no Brasil de fevereiro a dezembro de 2020. Segundo a pesquisa, 8 em cada 10 pacientes intubados ao longo do primeiro ano de pandemia morreram. A mortalidade se manteve igual no primeiro e segundo semestre deste ano.
Em comparação, a média mundial é de cerca de 50% de mortalidade. E, segundo os pesquisadores envolvidos nesse estudo, dados preliminares de 2021 mostram que a taxa de mortalidade brasileira deve piorar. "Os dados de morte por intubação em 2021 não estão consolidados, mas as informações disponíveis sobre morte hospitalar apontam para um aumento significativo da mortalidade", disse à BBC News Brasil o pesquisador da Fiocruz Fernando Bozza, chefe do Laboratório de Pesquisa Clínica em Medicina Intensiva do Instituto Evandro Chagas.
Uma primeira pesquisa sobre mortalidade de pacientes de Covid-19, publicada na revista médica The Lancet Respiratory Medicine, revelou que quase 80% dos doentes entubados no Brasil entre 16 de fevereiro e 15 de agosto de 2020 morreram. Para esse levantamento foram analisados dados de 254 mil internações.
Os números do segundo semestre de 2020 revelam que a taxa de mortalidade se manteve próxima a 80%. Ou seja, os números mostram que após a primeira onda da Covid-19 no Brasil, o país não foi capaz de se organizar e adotar parâmetros nacionais de tratamento. Para chegar ao percentual, foram analisadas 163,2 mil internações de pacientes com covid-19 entre 15 de agosto e 31 de dezembro do ano passado. Os dados foram obtidos pelo sistema SIVEP-Gripe, do Ministério da Saúde, que determina que todos os hospitais comuniquem internações por síndrome respiratória.
De acordo com o estudo, 78,8% dos pacientes que precisaram de ventilação mecânica invasiva morreram ao longo do segundo semestre de 2020 no Brasil. Entre as principais causas estão a falta de um protocolo nacional que unifique as técnicas utilizadas e o uso de pessoal sem treinamento e experiência adequados.
"A taxa permaneceu alta ao longo do ano. Perdeu-se tempo discutindo tratamento precoce sem qualquer evidência científica e não se investiu em disseminar informação sobre tratamentos eficazes para pacientes graves, como uso de esteroides, técnicas de identificação de insuficiência respiratória, uso da posição prona e outros", disse Bozza.
Regiões
Ainda de acordo com os dados obtidos pela BBC Brasil, na região Norte do país, a mortalidade de pacientes entubados sobe para 86,7% e, no Nordeste, para 83,7%. No Centro-Oeste, o percentual também é acima da média (83,6%). Já no Sul e Sudeste, a taxa fica em 76,8%. De acordo com o pesquisador da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) ,Otavio Ranzani, o percentual brasileiro é maior que a média mundial, de cerca de 50%, conforme estudo que analisou dados de 69 países, publicado no American Journal of Respiratory and Critical Care Medicine.
A média de mortalidade de pacientes com covid entubados na Ásia é de 47%, na Europa, é de 36% e, na América do Norte, é de 46%, completa o Ranzani, que também é pesquisador da Institute for Global Health, em Barcelona. "A taxa de mortalidade brasileira para uso de ventilação mecânica (invasiva) é semelhante à do México, de 80,9%", acrescenta.
Agora, no pior momento da pandemia no Brasil, médicos de UTIs ouvidos pela BBC News Brasil também alertam para o provável aumento da taxa de mortalidade entre pacientes entubados em todas as regiões do país.
"O problema é você ter um paciente muito grave, com comprometimento de vários órgãos, e você tratar ele numa situação de sobrecarga, de improviso, com equipes mal treinadas e isso contribui com números ainda mais preocupantes", disse o médico intensivista Ederlon Rezende, que coordena a UTI do Hospital do Servidor Público do Estado de São Paulo.
Improvisos
Apesar da falta de assistência necessária por parte do Ministério da Saúde, outro aspecto que contribuiu para aumentar as mortes no Brasil, segundo médicos, foi a necessidade de improviso nos atendimentos, devido ao descontrole das infecções no Brasil.
Com hospitais em colapso, em diferentes momentos da pandemia, foi preciso alocar profissionais de outras áreas da saúde para UTIs. Sem treinamento adequado nem experiência em terapia intensiva, essas pessoas tiveram que lidar com maquinário complexo e decisões que definem se um paciente vai viver ou morrer.
No Nordeste, onde a taxa de mortalidade de entubados foi maior que a média nacional, 16% dos pacientes atendidos no primeiro semestre de 2020 receberam ventilação mecânica fora de UTIs, nos corredores ou enfermarias, por exemplo. No Sul, região com a menor mortalidade, só 8% dos pacientes foram intubados fora de uma UTI.
"Quanto mais especializado o serviço, menor a mortalidade", diz a pneumologista do Albert Einstein Carmen Valente Barbas, professora da Faculdade de Medicina da USP. "O que tem sido feito em alguns hospitais do país é uma tentativa de treinamentos de urgência para os médicos, enfermeiros e fisioterapeutas que acabaram tendo que trabalhar na área intensiva, devido à situação de emergência. Mas não é a mesma coisa que ter formação e experiência na área".


