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Confira o artigo de Bernardo Guimarães Ribeiro
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Por Bernardo Guimarães Ribeiro
A palavra da moda é intolerância. A onda do momento é a “polarização”. O mundo mudou mesmo em tão pouco tempo? Para compreendermos alguns fenômenos, é imprescindível uma digressão histórica breve. Tomemos o Brasil como exemplo, embora muito desse particular possa ser expandido para searas alienígenas.
Pois bem, o ano é 2002. Após três tentativas frustradas, Lula é eleito Presidente. Embora o “fabiano” FHC já viesse esquerdeando o Brasil de longa data – basta lembrar que assentou o mesmo número de famílias do MST que seu sucessor – apenas a ascensão do petista logrou regozijar a esquerda nacional: “a esperança venceu o medo”, diziam enfaticamente! Esse momento histórico é de vital importância para a compreensão do que viria na sequência. Ou seja: mesmo não sendo o Brasil um país com maioria de esquerda, Lula fora eleito. Curioso notar que o povo, em geral, não abraça ideologias, mas programas que se lhes afete. A pauta da moralidade e da nova política que elegeria Lula em 2002 seria a mesma de Bolsonaro em 2018. Mas não vamos antecipar a conclusão.
O PT, com a sobredita plataforma, conquistou admiradores de todos os matizes ideológicos. Não era raro ver eleitores identificados com a direita encantados com as promessas dessa nova política – fui um deles, admito! Aprofundando mais um pouco, não recordo haver oposição organizada, muito menos uma militância sanguinária promovendo verdadeiros boicotes ao recém eleito Lula. Ao contrário: a estabilidade monetária e a baixa inflação alcançadas por FHC tinham torcida para a permanência com seu sucessor. Em suma: os brasileiros torciam pelo sucesso, e não pelo fracasso do governo.
Passados quase 20 anos, 2018 foi o cume do que se convencionou chamar de “polarização” político-ideológica. No seio do antipetismo amorfo, a direita parecia renascer como Fênix. Ledo engano. Havia mero estado de latência – a omissão e mesmo a covardia dos anos posteriores ao Regime Militar transformaram o País num ambiente pseudo-hegemônico. Assim, sem qualquer oposição, a esquerda triunfava sem ser incomodada no retrovisor. Não nos esqueçamos que o próprio Lula, em 2009, declarou entusiasmado não haver nenhum partido de direita na disputa presidencial. Nesse processo, o “teatro das tesouras”, cujo protagonismo coube ao binômio PSDB/PT, teve papel de destaque, fazendo grande parte dos incautos e pouco politizados caírem na armadilha premeditada: transformar a ala moderada da esquerda num arremedo de direita. Se é verdade que se tratava de um engodo, por outro lado não havia escolha para conservadores e liberais senão agarrarem-se desesperadamente aos tucanos.
Mas o que está acontecendo? Por que termos como intolerância, polarização e até fascismo voltaram aos debates e mesmo ao decrépito jornalismo? Não é mesmo fácil dormir rei e acordar plebeu. Da redemocratização em 1985 até 2018, passando pela Constituinte de 1987, a hegemonia canhota foi pujante. Exceto pelo breve hiato do Governo Collor, a esquerda dominou o cenário político nacional. Não havia nada a se preocupar a não ser a decisão sobre com quem seguiria o bastão no revezamento.
Esse cenário mudaria anos mais tarde com as Manifestações de 2013. Ainda que gestadas pela esquerda, a massa heterogênea e indecifrável de insatisfeitos crescia na mesma medida em que crescia o orgulho da independência de não ser pautada por partidos e ideologias de esquerda, que perdiam o protagonismo do movimento. Nascia ali um embrião da nova direita. Daquele ano para cá, o que vemos é uma crescente politização de setores da sociedade até então mudos. Some-se a isso uma novidade que revolucionaria a política e o jornalismo tradicionais: um “inofensivo” aplicativo de celular que, enfim, fez valer o princípio one man, one vote. Se é que redes sociais tem seus inconvenientes, não menos verdade é que romperam a espiral do silêncio (Elisabeth Noelle-Neumann). Os milhões emudecidos ganharam “voz”. E mais: puderam compartilhar essa conquista com outros milhões. A imprensa mainstream, outrora acostumada a estabelecer verdades e mentiras ao sabor dos seus interesses, via atônita notícias (suas) sendo desmascaradas, além de esclarecimentos, refutações e retorsões, quase em tempo real.
O que vemos hoje claramente, após a eleição do homem que venceu o pleito sem dinheiro e apenas com a arma das redes sociais, é o contra-ataque do establishment, não aquele em que se usam as mesmas armas, mas aquele pelo qual se intenta destruir o adversário. O drible da nova direita no sistema o implodiu. Como o avanço da tecnologia, em situação de normalidade, é irreversível, a solução encontrada pelos opositores mirou duas frentes simultâneas: a desqualificação dos militantes por meio da falsa imputação de que seriam robôs impulsionando notícias e a alegação descarada de que esses mesmos militantes seriam geradores de fake news. Assim é que foi criada uma CPMI no Congresso para, com nosso dinheiro, forjarem um fundamento para cercear a nossa liberdade.
Adicione-se a todo esse caldeirão de bruxarias autoritárias a narrativa da intolerância e “polarização” da política, mantra repetido à exaustão hoje por toda a classe jornalística, partidecos fisiologistas e esquerdistas complexados. No final das contas, o que incomoda mesmo é a conquista do espaço que parecia (e só parecia) perdido. Tornou-se tão autoevidente o chilique histérico, que resolveram enxovalhar de vez o termo fascista, usando-o em qualquer discussão na qual surja uma opinião discrepante da antiga hegemônica. E se pudéssemos resumir tudo isso, a constatação seria de que o “é melhor Jair se acostumando” não goza da tolerância que teve “a esperança venceu o medo”! Na era da pós-verdade, no entanto, a realidade é desafiada pela elucubração e a verdade padece de pouco prestígio diante das narrativas.
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