Ortega Y Gasset formulou a expressão “eu sou eu e minha circunstância”, do mesmo jeito que muitos séculos antes Protágoras de Abdera tinha afirmado que “o homem é a medida de todas as coisas” e Karl Marx disse que o homem é o produto das condições históricas em que vive. Desse modo, a filosofia procurou definir a natureza humana, através o pensamento de todos os filósofos.
Ontem, no voto proferido pelo Ministro Flávio Dino do STF, sobre o Art. 19 do Marco Civil da Internet, filosofou sobre a natureza inata do homem, influenciado pelas redes sociais, que consiste em matador de criancinhas, de preferência no interior das escolas.
Ainda bem, que o douto jurista de almanaque Capivarol, reconhece que essa índole perversa é imanente do ser humano, porém ela é nele fabricada pelas redes sociais, essa invenção contemporânea assimilada por esses seres, como se na História da humanidade fosse, conforme a convicção de J.J. Rousseau, puros e inocentes, mas a sociedade os pervertem e os corrompem.
Descobriram a pólvora, a descoberta do século. Todo do avanço da ciência e da tecnologia, o mundo novo, enfim, tudo isso é invenção do diabo, “afastem de mim esse cálice”!
Essa brilhante teoria, que agora se junta à cultura humana, faz-me lembrar a obra didática de Bertold Brecth, que coloca a questão de concordar ou discordar, o Grande Coro afirma: “Antes de tudo, o importante é aprender a estar de acordo. Muitos dizem que sim, mesmo se não estão de acordo. Muitos nem chegam a ser consultados. E ainda há outros que sempre estão de acordo, até quando não devem”.
Numa situação limite, um menino deve ser sacrificado, por não poder prosseguir na montanha a marcha de professores e alunos que vão buscar recursos médicos para enfrenta uma epidemia em sua aldeia. Mandava uma antiga lei que aquele que adoecesse numa viagem semelhante fosse lançado ao despenhadeiro, para não prejudicar a marcha. E mandava também a antiga tradição que antes se perguntasse à vítima se valeria a pena voltar por causa dele. E lhe caberia apenas responder – ‘Não é preciso’.”
Tenho dúvidas se essa antiga lei, vis a vis a teoria do ministro apedeuta, saltou o longo tempo em que nasceu e contaminou a pureza rousseauniana da natureza humana.
A História é assim, sem caprichos. Ela flui conforme o conjunto de circunstâncias que se desenvolve no seu curso inexorável e, na maioria das vezes imprescindível. Imaginem se essa maledicência dos algorítmicos, prevista pelo jurista já mencionado, atingisse os processos que levaram tantas crianças a julgamentos nefastos por blasfêmia e outros crimes no Santo Ofício?
Compulsei, por mera curiosidade de meu ofício de historiador, a maldade inenarrável dos nazistas, que conduziram aos fornos crematórios milhares de crianças imberbes, pelo hediondo crime de serem judeus e o fizeram porque, como afirmaram, para cumprir ordens superiores. A tal banalidade do mal, segundo Hanna Arendt! Seguramente, a maldade humana não sofreu interferência on line.
Francisco Bethencourt, autor do famoso livro sobre a História das Inquisições, no qual sublinha o Santo Ofício em Portugal, Espanha e Itália, descreve o séquito de horrores e hipocrisia, com riqueza de detalhes na estrutura religiosa, filosófica e burocrática desta instituição e não me recordo de ter lido em suas 410 páginas nenhuma referência às Bib Techs e as desgraças que teriam inoculado no coração do homem.
Seus exemplos, apresentados com a habitual papagaiada da tribuna de tão ilustre tribunal superior, se esvaziam de qualquer conteúdo didático se comparado com a infinidade de situações históricas do passado e revelam à saciedade quanto eram falsos e inoportunos numa sociedade amargurada, com as mentiras e engodos com que tem convivido.
Reproduzem, isso sim, a máxima soviética: “mostre-me o indivíduo e eu mostrarei os crimes”.