Do ponto de vista teórico, todo Estado historicamente constituído é soberano, no espaço físico de seu território, ainda que no mesmo convivam várias nações diferentes. Isso quer dizer que a soberania contém esta dimensão territorial.
Sendo assim, um Estado soberano no interior de seu território poderá prevalecer um regime político ditatorial ou um regime democrático, de modo que a soberania do Estado depende da autocracia que ele representa ou da Democracia que ele ostenta. Aí está uma diferença que deve ser levada em conta. Significa que o povo que habita um Estado soberano, no qual as regras democráticas não são aceitas, esta “soberania” é nociva e falsa tanto ao povo que nele habita, quanto ela ameaça a paz e a estabilidade internacional.
No concerto mundial, um Estado democrático, onde vigoram os valores fundamentais reconhecidos no Ocidente do qual fazemos parte, tanto geográfica quanto culturalmente, percebe que tais valores, principalmente os direitos humanos, são violados sistematicamente, acordos internacionais são enxovalhados e ameaças à paz e à segurança global são evidentes nas políticas de países ditatoriais, ele pode recorrer a medidas destinadas a pressionar os infratores.
Não são poucos os exemplos de sanções aplicadas por países democráticos a outros Estados soberanos, contra a Rússia, o Irã, a Venezuela, a Nicarágua, a Cuba com a finalidade de dissuadi-los a abandonar suas investidas, sejam militares ou políticas, danosas à Democracia ou a paz e segurança global.
Quem, em sã consciência, poderia alegar a soberania da Rússia em razão das sanções aplicadas pelos EUA e vários países da Comunidade Europeia, decorrente da invasão da Ucrânia? Igualmente, a mesma pergunta é pertinente quando examinamos as sanções aplicadas à Venezuela pelos EUA e diversos países da União Europeia, face a ditadura existente naquele país sul-americano. Essa mesma questão se repete em diferentes países transgressores da paz mundial ou dos direitos humanos.
Recentemente, os Estados Unidos da América adotaram sanções ao Brasil, através da majoração de tarifas alfandegárias, da proteção aos direitos humanos fundamente atingidos no Brasil e da legalização da censura instituída pelo STF. Seria chover no molhado elencar as sucessivas e graves violações cometidas pelo Brasil, através da abominável aliança entre o Poder Executivo e o STF, as quais configuram uma ditadura da toga, em relação à mesma não faltam nenhum dos mais sórdidos ingredientes.
O estabelecimento de tarifas alfandegárias é um direito líquido e certo de qualquer país soberano, o respeito aos direitos humanos é obrigação contida nos tratados internacionais assinados pelo Brasil, a livre expressão do pensamento é um direito da primeira emenda da Constituição dos EUA e sofreu danos irreparáveis provocados pelo ministro Alexandre de Moraes, contra cidadãos norte-americanos e residentes nos EUA.
Enfim, os EUA estão impondo sanções por motivos bem definidos, ainda que eles possam trazer malefícios à nossa economia, mas não representam danos a nossa soberania. Essas ações americanas permanecem nos marcos do direito internacional e de acordos multilaterais.
Em absolutamente nada os EUA agrediram a soberania brasileira. Essa é uma narrativa destinada a promover uma falsa impressão na população, típica das ditaduras que se escondem em princípios caros ao povo e se aproveitam dos evidentes prejuízos, que tais medidas provocarão na titubeante economia brasileira.
O rol de medidas adotadas pelos EUA tem o objetivo de pressionar o Brasil por mudanças políticas ou práticas totalitárias, a fim de reconduzir o país ao estado democrático de direito, o que equivale a dizer que o regime instaurado no Brasil poderá se reconciliar com as regras democráticas ou insistir na perpetuação do regime de exceção.
É um gesto de puro romantismo ditatorial apelar para a soberania, com a intenção manifesta de iludir a opinião pública e permanecer resoluto na intenção de consolidar sua trajetória, quando dela não houver mais caminho de volta.
Por acaso não é um direito dos EUA concederem vistos de entrada e permanência no seu território de cidadãos estrangeiros? Se tais cidadãos, sejam quem forem, cometerem crimes contra os direitos humanos, crimes que atentam contra as liberdades e a Democracia não podem ter seus vistos suspensos ou revogados?
Só não enxerga esta verdade translúcida uma classe dominante sem projeto de país, destituída de uma visão histórica e iludida por um discurso presidencial histérico e provocativo. Parcela das classes populares aceitam, aparentemente de bom grado, o destino para o qual estão sendo conduzidas, como gado em direção ao matadouro.
Sei que o fruto é amargo, principalmente pelo que ainda virá. Vale a pena lembrar o poema de Geir Campos, que diz assim: “morder o fruto amargo e não cuspir, mas avisar aos outros quanto é amargo”. Quanto é amarga a jabuticaba do palácio presidencial!
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Comentários
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Luiz Augusto Sanches Sampaio
Muito bom
Marcelo como sempre muito lúcido