Saiba como será o rito de funcionamento do julgamento de Bolsonaro e aliados
Caso será analisado pela Primeira Turma do Supremo

Foto: Valter Campanato/Agência Brasil
O julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e de outros sete acusados de participação em uma tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022 inicia nesta terça-feira (02). O caso será analisado pela Primeira Turma do Supremo, composta pelos ministros Alexandre de Moraes, Flávio Dino, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin, em um calendário que prevê sessões até o dia 12.
A ação penal inclui acusações de organização criminosa armada, golpe de Estado, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. As penas somadas podem ultrapassar 30 anos de prisão.
Para o mestre em processo penal pela PUC-SP, Vinicius Lapetina, o julgamento tem um caráter excepcional não apenas pela gravidade dos fatos, mas também pela instância em que ocorre.
“O Supremo é, por natureza, um tribunal de recursos, que revisa decisões da primeira e da segunda instância. Não é comum que ele funcione como instância originária em ações penais. Mas em circunstâncias específicas, como esta, envolvendo autoridades ou crimes de impacto institucional, o processo precisa tramitar diretamente no STF”, explicou.
O desenho regimental, que prevê a análise por uma das turmas, é juridicamente adequado. Ainda assim, Lapetina avalia que a dimensão política e simbólica do caso justificaria uma decisão do plenário.
“Do ponto de vista formal, não há irregularidade. Mas diante da magnitude do processo, seria mais apropriado que fosse apreciado pelos 11 ministros, como ocorreu no julgamento do mensalão”, ponderou.
A Procuradoria-Geral da República separou a denúncia em quatro núcleos. O núcleo 1, que inclui Bolsonaro, será o primeiro a ser julgado. As demais ações penais ainda aguardam alegações finais, com julgamento previsto para este ano.
Entenda como funcionará o rito
O julgamento
A sessão será aberta às 9h pelo presidente da Primeira Turma, ministro Cristiano Zanin. Em seguida, o relator do processo, Alexandre de Moraes, apresentará o relatório que resume todas as etapas do caso, desde as investigações até as alegações finais, concluídas em 13 de agosto.
Após a leitura, Zanin passará a palavra à Procuradoria-Geral da República e às defesas. O procurador-geral Paulo Gonet terá até uma hora para apresentar a acusação. Cada defesa também poderá expor suas considerações em até uma hora.
Réus do núcleo central
Jair Bolsonaro, ex-presidente da República;
Alexandre Ramagem, ex-diretor da Abin e atual deputado federal;
Almir Garnier, ex-comandante da Marinha;
Anderson Torres, ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança do DF;
Augusto Heleno, ex-ministro do GSI;
Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa;
Walter Braga Netto, ex-ministro e candidato a vice em 2022;
Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro.
Réus em julgamento da denúncia sobre o núcleo 1 da Pet 12.100. Foto: Gustavo Moreno/STF
Ramagem responde a três dos cinco crimes do processo, pois a Constituição permite suspensão de parte das acusações: dano qualificado, ameaça e deterioração de patrimônio tombado. Ele permanece acusado de golpe de Estado, organização criminosa armada e tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito.
Crimes
Organização criminosa armada;
Tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito;
Golpe de Estado;
Dano qualificado pela violência e grave ameaça;
Deterioração de patrimônio tombado.
Rito
O julgamento seguirá regras do Regimento Interno do STF e da Lei 8.038/1990. Alexandre de Moraes será o primeiro a votar, analisando preliminares como nulidade de delações, alegações de cerceamento e pedidos de absolvição. Em seguida, se manifestará sobre o mérito do processo.
Os demais ministros da turma votarão na ordem: Flávio Dino, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin. A decisão final será definida pela maioria de três votos. Pedidos de vista podem suspender temporariamente o julgamento, mas o processo deve retornar à pauta em até 90 dias.
Ministro Alexandre de Moraes em julgamento da denúncia sobre o núcleo 1 da Pet 12.100.Foto: Antonio Augusto/STF
O papel de Alexandre de Moraes
A centralidade do ministro Alexandre de Moraes, relator da ação, tem sido alvo de críticas recorrentes da defesa de Bolsonaro e de parlamentares aliados, que o acusam de parcialidade. Lapetina, no entanto, interpreta essa reação como previsível diante da função que Moraes ocupa.
“O relator é, por definição, quem toma as decisões mais sensíveis ao longo do processo. É natural que desagrade às partes. Então, fosse outro juiz, fosse outro ministro do caso, muito provavelmente as decisões também deixariam descontentes os acusados”, afirmou.
Possíveis atrasos
O cronograma definido pelo STF prevê a conclusão do julgamento em pouco mais de uma semana. Mas a experiência mostra que imprevistos podem alterar o ritmo.
“Pedidos de vista podem interromper a análise e adiar a conclusão. Além disso, a defesa ainda pode recorrer com embargos de declaração, que prolongam o desfecho, embora não alterem substancialmente a decisão”, destacou Lapetina.
Pelo regimento interno, qualquer ministro pode solicitar mais tempo para analisar o processo, suspendendo temporariamente o julgamento. Nesse caso, a análise deve retornar à pauta em até 90 dias.
Prisão
A eventual prisão dos condenados não será automática e dependerá do julgamento de recursos. Oficiais do Exército e da Marinha têm direito à prisão especial, conforme o Código de Processo Penal.
Reações no eleitorado
A repercussão também deve atingir o campo eleitoral. Embora Bolsonaro já esteja inelegível até 2030 por decisão do TSE, uma condenação criminal acrescentaria efeitos adicionais, como a perda dos direitos políticos durante o cumprimento da pena.
Segundo a cientista política Mariana Dionísio, o julgamento tende a reforçar a narrativa de perseguição entre os apoiadores mais fiéis do ex-presidente. “Esse efeito mobiliza militância, sustenta engajamento nas redes sociais e ajuda a manter a coesão de um grupo que já tem identidade política consolidada. Para esse grupo, as ações judiciais não são vistas como mecanismos legítimos de responsabilização, mas como uma estratégia do sistema para impedir o ex-presidente de disputar novas eleições e enfraquecer o movimento conservador. Essa percepção reforça o discurso de enfrentamento às instituições, alimenta teorias de conspiração sobre um “Estado aparelhado” e mantém a mobilização dessa base mais fiel e combativa”, afirmou.
No entanto, o efeito pode ser inverso no eleitorado moderado. “Entre os eleitores menos engajados, a imagem de Bolsonaro pode se consolidar como a de um líder associado a ilegalidades e a ataques às instituições. Isso reduz sua capacidade de ampliar apoios e abre espaço para que outras lideranças conservadoras se projetem em 2026.”
Precedentes históricos
O caso insere Bolsonaro em uma lista restrita de ex-presidentes brasileiros que enfrentaram processos graves após o exercício do cargo.
Fernando Collor de Mello, após deixar o Planalto em 1992, foi alvo da Operação Lava Jato e chegou a ser preso em 2017, em Alagoas, acusado de corrupção, mas depois foi solto. Michel Temer foi preso preventivamente em março de 2019, também no âmbito da Lava Jato, acusado de liderar um esquema de corrupção em obras da usina de Angra 3, ficando quatro dias detido. Luiz Inácio Lula da Silva foi preso em abril de 2018, condenado no caso do tríplex do Guarujá, e permaneceu 580 dias na sede da Polícia Federal em Curitiba até ser solto por decisão do Supremo Tribunal Federal.
Para Lapetina, esse histórico tem peso na percepção internacional sobre a política brasileira. “Embora cada situação tenha suas particularidades jurídicas, o fato de sucessivos presidentes enfrentarem processos ou punições graves mostra instabilidade. Isso fragiliza a imagem institucional do país e gera questionamentos sobre a capacidade de nossas lideranças em respeitar os limites democráticos.”