Migração ilegal de brasileiros para os EUA cresce na pandemia
Mais de 47,4 mil brasileiros já foram apreendidos no país da América do Norte

Foto: Getty Images
Dados oficiais do governo dos Estados Unidos mostram que, entre outubro de 2020 e agosto de 2021, 47,4 mil brasileiros foram apreendidos no país. Esse número é maior do que a soma dos 14 anos anteriores, quando 41 mil tentaram cruzar a fronteira. O aumento, de acordo com os especialistas, pode ser justificado pelo agravamento da crise econômica provocada pelo novo coronavírus e, além disso, pela expectativa de que a política migratória do governo de Joe Biden fosse mais branda. A informação é da revista Exame.
Para deixar o Brasil, os brasileiros saem principalmente do Acre, de Mato Grosso, Rondônia e Minas Gerais. Especialistas apontam, ainda, que a suspensão há 18 meses da emissão de vistos americanos de turista para brasileiros, também efeito da crise sanitária mundial, agravou o impacto. "Historicamente, 90% dos brasileiros sem documentação chegavam aos EUA com visto de turista e ficavam no país. Esse era o método de entrada, até porque a probabilidade de se conseguir a legalização assim é maior do que quando se entra pela fronteira e é pego pelos agentes", explica Gabrielle Oliveira, professora da Faculdade de Educação de Harvard.
Sem o recurso do visto de turista, os brasileiros passaram a explorar rotas ilegais, combinando vias terrestres, aéreas e, em alguns casos, marítimas. Uma das rotas mais bem estabelecidas, segundo o professor Duval Fernandes, da PUC-MG, é a mexicana. Por esse trajeto, o migrante aproveita o fato de o México não exigir visto de entrada para brasileiros. De acordo com a Polícia Federal brasileira, a atuação deles é mais forte em Minas Gerais e Rondônia que, segundo Fernandes, fazem parte da mesma rede.
"A rede em Rondônia é a mesma de Governador Valadares, em função dos laços da comunidade mineira no Estado, uma vez que muitas pessoas migraram para lá em projetos agropecuários no passado. Fazendo pesquisa, é comum ouvir relatos de pessoas com parentes que já se mudaram para os EUA, e são de Minas", disse.
No geral, o caminho muda de acordo com o aumento da fiscalização. A PF afirma, no entanto, que há algumas rotas usadas mais constantemente. Um dos pontos de saída é o Acre, de onde se cruza para países da América do Sul e Central, até chegar ao México. Mas há também rotas que saem do Brasil por via aérea até o Caribe, de onde os migrantes partem rumo aos EUA em barcos.
Depoimentos
Atuando nos EUA, o advogado Walter Santos reúne depoimentos de ex-clientes que entraram no país recorrendo a coiotes. "Não há relatos felizes. Tive um cliente que estava legalizado, mas queria regularizar a mulher. Quando cruzou a fronteira, o irmão foi picado por uma cobra no deserto e morreu. Eles tiveram de deixar o corpo lá, porque não tinha como carregar. Sempre há relatos de abusos, inclusive sexuais, por parte de coiotes, contra mulheres, homens e crianças. Sem contar que o migrante chega aos EUA endividado e tem de trabalhar para pagar o coiote, enquanto a família é alvo de extorsão em seu país", afirma.
Quando um migrante cruza a fronteira e se apresenta às autoridades, passa por uma entrevista para identificar se há elementos suficientes para processar o asilo. Como a concessão é a maneira que o migrante tem para regularizar sua situação, as redes de coiotes passaram a oferecer como "parte do serviço" dicas de como enganar as autoridades americanas.
"Muitas pessoas fazem a travessia com uma história pronta, inventada, e se entregam às autoridades na tentativa de obter asilo. Atendi pessoas que chegaram ao escritório alegando sofrer perseguição de gangues, e apresentaram como prova fotos do que seria o irmão morto, degolado. Uma semana depois, outra pessoa me procurou com a mesma história e a mesma foto", afirmou Santos.