Projeto flexibiliza lei para prédios na orla e pode sombrear praias de Salvador
PL autoriza aumento de até 50% do limite da altura dos prédios na orla

Foto: Valter Pontes/Prefeitura de Salvador
JOÃO PEDRO PITOMBO
Com seu território entre o oceano Atlântico e a baía de Todos-os-Santos, Salvador possui 64 quilômetros de praias, chegando a 105 quilômetros contando as três ilhas que pertencem ao município.
Esse trecho da cidade se tornou um dos epicentros do debate sobre a ocupação e uso do solo, que inclui os projetos do setor imobiliário, a intenção da prefeitura de dinamizar áreas degradadas e o interesse dos moradores da cidade, que têm as praias como principal lazer.
Nas últimas semanas, a gestão do prefeito Bruno Reis (União Brasil) deu mais um passo para flexibilizar a construção de prédios na orla da cidade. Um projeto de lei enviado para a Câmara Municipal autoriza um aumento de até 50% do limite da altura dos prédios na orla para substituir edificações deterioradas ou ocupar espaços subutilizados.
A mesma proposta também libera os empreendimentos destas áreas da exigência de estudos que avaliem o sombreamento das praias. O projeto está em debate e ainda não foi votado.
Ao contrário de outras capitais brasileiras, Salvador tem um histórico de legislação rígida para construções na borda marítima, sobretudo na orla atlântica, onde o sol se põe do lado oposto ao mar.
As regras, contudo, foram afrouxadas nas últimas revisões do PDDU (Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano) e da Louos (Lei de Ordenamento do Uso e da Ocupação do Solo), a mais recente em 2016.
A legislação vigente impõe um limite de 75 metros -o equivalente a 25 andares-- para prédios na orla atlântica, exige estudos técnicos para impedir sombra na praia entre 9h e 15h e abre uma exceção para áreas degradadas.
A nova lei enviada pelo prefeito para a Câmara amplia o escopo das exceções, permitindo prédios de até 112,5 metros -equivalente a mais de 35 andares- em espaços subutilizados ou imóveis deteriorados, independentemente da criação de sombra na faixa de areia.
"Espaço subutilizado é um termo genérico. Esse projeto, na prática, dá uma carta-branca para ampliar o gabarito da orla", avalia a promotora de Justiça Hortênsia Pinho, para quem a proposta premia os proprietários que não cumprem a função social de seus terrenos.
O Ministério Público estadual recomendou a suspensão do projeto de lei por entender que ele antecipa a revisão do PDDU, que demanda estudos técnicos e participação popular. A prefeitura já contratou estudos prévios para o reexame da legislação, previsto para 2026.
Em nota, a prefeitura de Salvador informou que o projeto não vai permitir a criação de sombreamento na faixa de areia da praia, mesmo nos casos da exceção legal em que se permite aos novos imóveis ultrapassar 75 metros de altura.
"Para deixar esse ponto excepcional mais claro, uma emenda foi apresentada durante o processo de discussão do projeto, garantindo-se a realização de estudo específico de sombreamento", informou.
Líder da maioria na Câmara Municipal, o vereador Kiki Bispo (União Brasil) disse que o projeto de lei está na fase de audiências públicas e ainda será debatido pelo plenário. Mas garantiu que o trecho que trata da exigência de estudos de sombreamento deve ser revisto.
"Nenhum vereador em sã consciência vai flexibilizar o gabarito e permitir sombra na praia. Salvador não vai seguir esse caminho", afirmou Bispo.
Procurada, a Ademi-BA (Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário) não se manifestou sobre o projeto.
Já os movimentos sociais organizados criticam a falta de debate com a população: "Não se discute, não se faz uma leitura do plano e vão mudando os artigos. É desrespeitoso, desonesto", afirma Maura Cristina da Silva, coordenadora do Movimento Sem Teto da Bahia.
Nos últimos anos, o debate em torno da altura dos prédios na orla ganhou tração em Salvador, com a autorização de grandes empreendimentos nas praias do Buracão, no Rio Vermelho, e Stella Maris. O prefeito Bruno Reis tem afirmado que as construções estão respaldadas pela legislação.
As novas construções motivaram uma ação de inconstitucionalidade movida pelo PT, PSOL, PSB e PC do B, partidos de oposição, parcialmente acatada quinta-feira (16) pelo Tribunal de Justiça da Bahia.
O desembargador José Cícero Landim Neto mandou suspender os efeitos de um artigo que dispensava a exigência de estudo de sombreamento em determinados casos. A determinação não atinge as construções já concluídas ou licenciadas com base na lei atual.
Em sua decisão, o desembargador destacou que o sombreamento das praias deixa impactos ambientais negativos, interferindo na paisagem urbana e no conforto ambiental.