Bolsonaro no STF: entenda as acusações e o que pode definir o julgamento do golpe
Ex-presidente é julgado pelo STF nesta terça-feira (2), na ação que apura uma suposta tentativa de golpe em 2022

Foto: Gustavo Moreno/STF
O Supremo Tribunal Federal (STF) começa a julgar, nesta terça-feira (2), o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), acusado de articular uma tentativa de golpe de Estado para permanecer no poder após as eleições de 2022 Essa é a primeira vez que um ex-presidente brasileiro responde no STF por tentativa de golpe de Estado.
Além de Bolsonaro, outros sete réus fazem parte do chamado núcleo 1, considerado "crucial" para a suposta trama golpista:
— Alexandre Ramagem (PL-RJ), deputado federal e ex-diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin);
— Almir Garnier, ex-comandante da Marinha;
— Anderson Torres, ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal;
— Augusto Heleno, ex-ministro do GSI (Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República);
— Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro;
— Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa;
— Walter Braga Netto, ex-ministro de Bolsonaro e candidato a vice na chapa de 2022.
Os réus são acusados dos crimes de organização criminosa, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça e deterioração de patrimônio tombado, com exceção de Ramagem, que só responde pelos três primeiros.
A ação penal que apura a suposta tentativa de golpe de Estado tem como base investigações da Polícia Federal (PF) e uma denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) em fevereiro deste ano.
Na denúncia, a PGR utiliza como base o inquérito da PF que indicou 37 pessoas, incluindo Bolsonaro, em novembro de 2024.
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
O que apontam as investigações da PF?
O relatório da Polícia Federal está vinculado à Operação Tempus Veritatis, deflagrada em fevereiro de 2024 para apurar a suposta organização criminosa que atuou na tentativa de golpe. O documento também reúne provas colhidas em diversas outras operações, incluindo a Lesa Pátria, que investiga financiadores, participantes e organizadores dos atos do 8 de janeiro de 2023.
Entre os elementos destacados pela PF no documento estão:
— Minuta de decretos golpistas, apreendida em computadores de assessores, que previa a prisão de ministros do STF e a convocação de novas eleições;
— Data específica para Bolsonaro assinar a minuta: 15 de dezembro de 2022;
— Reuniões registradas com ministros e aliados militares, nas quais teria sido discutida a possibilidade de contestar o resultado das urnas com apoio das Forças Armadas;
— Atuação de Mauro Cid, acusado de repassar documentos e auxiliar logisticamente na preparação do plano e que, posteriormente, fechou um acordo de delação premiada.
No dia 26 de novembro de 2024, o ministro do STF Alexandre de Moraes retirou o sigilo do relatório, encaminhado à PGR para análise.
Denúncia da PGR
Com base nesse relatório, a Procuradoria-Geral da República (PGR) apresentou uma denúncia ao STF em fevereiro de 2025. O órgão acusa Bolsonaro e os demais réus do núcleo 1 de terem organizado um plano para abolir o Estado Democrático de Direito e manter o ex-presidente no poder de forma ilegal.
Na denúncia, feita pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet, é apontado que Bolsonaro teria:
— Liderado a articulação política e institucional do suposto golpe;
— Estimulado e dado respaldo às mobilizações de apoiadores que culminaram nos atos do 8 de janeiro;
— Embora não tenha participado fisicamente da invasão às sedes dos Três Poderes, teria representado um papel central na criação do ambiente de instabilidade que possibilitou a eclosão da violência.
"Para melhor compreensão dos fatos narrados, convém recordar que, a partir de 2021, o Presidente da República adotou crescente tom de ruptura com a normalidade institucional em seus repetidos pronunciamentos públicos, nos quais expressava descontentamento com decisões de tribunais superiores e com o sistema eleitoral eletrônico em vigor", ressaltou Gonet, na denúncia.
“Essa escalada ganhou impulso mais notável quando Luiz Inácio Lula da Silva, visto como o mais forte contendor na disputa eleitoral de 2022, tornou-se elegível, em virtude da anulação de condenações criminais”, acrescentou.
A PGR solicitou a condenação de Bolsonaro e dos demais réus pelos crimes apontados, destacando que o núcleo 1 desempenhou papel determinante para a execução da trama.
Foto: Antonio Augusto/STF
Delação de Mauro Cid
O ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, tenente-coronel Mauro Cid, assinou, em setembro de 2023, um acordo de delação premiada com a PF. Ele solicitou perdão judicial ou que a pena, caso fosse condenado, não ultrapassasse dois anos.
Em depoimento ao STF, Cid confirmou que Bolsonaro leu e fez alterações na minuta do golpe. No entanto, segundo o tenente-coronel, o ex-presidente solicitou a retirada do trecho que previa a prisão de autoridades.
Além disso, ele afirmou que o ex-ministro da Casa Civil e da Defesa, general Walter Souza Braga Netto, era o elo entre Bolsonaro e os acampamentos de apoiadores na frente dos quartéis generais.
Ele também ressaltou que a grande preocupação de Bolsonaro era encontrar alguma fraude nas urnas eletrônicas. "A grande preocupação do presidente, no meu ponto de vista, sempre foi encontrar uma fraude nas urnas, né, coisa que sempre foi muito ostensivo dentro da opinião do presidente. Ele sempre buscou uma fraude nas urnas", declarou, ao ser questionado pelo próprio advogado, Cezar Bittencourt.
Foto: Ton Molina/STF
O que mais pesa contra Bolsonaro
No julgamento, alguns fatores podem ser cruciais para determinar a condenação do ex-presidente, como:
— Discursos para descredibilizar o sistema eleitoral, como o feito na reunião com embaixadores no dia 18 de julho de 2022, quando citou um inquérito da PF que apurou, em 2018, uma invasão cibernética aos sistemas do TSE;
— Depoimentos de ex-comandantes do Exército e da Aeronáutica, que relataram ter sido chamados ao Planalto para discutir hipóteses golpistas, incluindo a minuta do golpe;
— Omissão diante de movimentos antidemocráticos após a eleição, como acampamentos em frente a quartéis e a invasão às sedes dos três poderes;
— Minuta do golpe, que, segundo a PF, Bolsonaro solicitou e aprovou alterações no texto.
— O documento chamado “Punhal Verde e Amarelo”, impresso na impressora do Palácio do Planalto em novembro de 2022 pelo general Mário Fernandes, que, segundo a PF, planejava o assassinato do presidente Lula (PT), do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e do ministro Alexandre de Moraes.
Foto: Rosinei Coutinho/STF
O que diz a defesa de Bolsonaro
Durante o processo, a defesa de Bolsonaro alegou não ter tido acesso à íntegra das provas apresentadas no relatório da PF e chegou a pedir que o processo fosse suspenso.
"Portanto, até hoje, dia 05/06/2025, a defesa não tem acesso à íntegra das provas coletadas no curso da investigação, providência, frise-se, já deferida e determinada por Vossa Excelência no dia 30 de abril de 2025", afirmou a defesa em uma petição encaminhada ao STF.
Em suas alegações finais, encaminhadas ao STF no último dia 13, a defesa de Bolsonaro afirma que a acusação da PGR é "absurda" e que não existem provas que o liguem aos planos para matar autoridades "e muito menos aos atos de 8 de janeiro".
"Em momento algum Jair Bolsonaro praticou qualquer conduta que tivesse por finalidade impedir ou dificultar a posse do então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. Pelo contrário, sempre defendeu e reafirmou a democracia e o Estado de Direito", diz o documento.
"Não existe texto, decreto ou minuta prevendo a prisão de qualquer autoridade. Não existe decreto assinado. Não existe pedido de movimentar as tropas nem pedido a quem possa assim fazer. Não existe prova do golpe imaginado pela acusação", complementa, em outra parte do texto.
A defesa do ex-presidente ainda pontua que a delação premiada de Mauro Cid deve ser anulada, já que ele é um "delator sem credibilidade" e apresenta ambiguidade nos relatos. Segundo os advogados, a falta de credibilidade do tenente-coronel foi evidenciada quando ele violou as medidas cautelares impostas pelo acordo com a PF.
"É a primeira vez na história que se vê o requerimento para a aceitação parcial de uma delação. Fala-se em omissões e ambiguidades, mas insiste-se em aproveitar parte da delação e premiar o colaborador", destaca.
Foto: Antonio Augusto/STF